Agora não é preciso enlouquecer para que a doçura acampe na mesa sobre que esgaravata a mão calígrafa. É uma praça de chão de pedra. Praça breve e antiga, portanto, por antiga, não tão breve. Uma casa. Ao rés da pedra, armazém de "Louças, Talheres, Artigos de Ménage". Acima da placa, três janelas. Acima das janelas, uma varanda de madeira pintada de verde a toda a largura da empena. Do lado oposto, um comércio de "Tintas e Afins Lda". Não é preciso enlouquecer, não agora, já não. No largo, sobre estrado de ripas pintadas em xadrez verde e branco, as mesas e as cadeiras. O sol crepusculou-se do lado de lá dos Artigos de Ménage. Uma sangria violácea é o ar riscado de andorinhas. Digiro um cacho de uvas, que comprei numa banca de rua a uma mulher com elefantíase. O senhor Leal Casimiro passeia ao fresco, longe. Não lhe direi desta praça de pedra: ele reconhecê-la-á nos sonhos que sonha acordado, lá na loja de inutilidades onde as santas fosforescentes ruminam perdões de miniatura. Eu já não preciso de enlouquecer, nem de viver, nem de escrever mais que isto.
(Largo do Pintor Gata, Viseu, 6 de Junho de 2005)
1 comentário:
E mainada.
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