Havia o azulejo do Sporting na parede da frente da casa, logo acima da campainha. Andorinhas de barro rasgavam a parede parada. Era a casa do meu primo. Trabalhava na Cerâmica e vivia devagar, como convém aos que moram na memória. Dois filhos fez crescer com a ajuda da mulher. O rapaz gaguejava um pouco, a rapariga era de sardas tímidas. Boa gente. Todos do Sporting. E todos ainda vivos, felizmente e algures.
A informação memorial é electroquímica, festa de luzicus neurónicos que piscam-piscam "primo", "Sporting", "andorinhas", "Cerâmica".
Eu a aturar isto, domingo à noite, não sei porquê. No café, em redor, mastigantes de tremoços olham o realmadridbarcelona. Já anoiteceu há tantos anos, mas toda a gente finge que foi só hoje, que amanhã de manhã isto passa.
Serradura no chão: a caspa da madeira do balcão. Escaparates de arame com chicletes. TV por cabo. Domingo à noite.
Lá fora, o azulejo do Sporting está embaciado do humilde frio português. Outra vez Novembro. E enquanto isto, como quem não quer a coisa, o realmadridbarcelona a zerozero, Sporting só terça-feira que vem, se vier, vamos dormir, amanhã escrevo, ou pinto, outro azulejo.
Pombal, 7 de Novembro de 2004
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