À entrada de um dos seus mais tristemente célebres campos de concentração, os nazis escreveram: “O trabalho liberta”.
Era uma ironia assassina. Os milhares e milhares de pessoas que lá morreram, ficaram a dever a morte não ao trabalho mas ao ódio que os cães ferozes de Hitler lhes tinham.
Ironia por ironia, podemos hoje negar, em liberdade de pensamento, que o trabalhe mate. O que não podemos recusar, todavia, é que há muita gente que se mata a trabalhar sem esperança de, pelo fim da vida, ver fruto digno desse esforço. As mais das vezes, vê dez réis de fel coado. Fel, em vez de mel. Fácil é o trocadilho. Difícil, mesmo, é a realidade que circunscreve.
Quem sente o que escreve e se arrisca a escrever o que sente, não pode, ainda assim, sentir o que sente quem lê. De modo que me ponho já a imaginar que, à direita e à esquerda do espectro político, haja quem se vá pôr de sorrisinho trocista. Fria gente, essa que, sendo de uma direita hereditária que dá heranças gordas e magros corações, se limita a subir as calças em face de lama humana. E tontas pessoas, essas que, raspando com as unhas os muros da esquerda, trabalham como formigas e votam como cigarras.
Dizem os da direita: “Vão trabalhar!”.
Dizem os da esquerda: “Dêem-nos trabalho!”.
O resultado deste totobola não é xis. É zero. Zero à esquerda e zero à direita.
Num país de revolucionário na reforma e de reformados sem revolução, o ideal seria poder escrever: “A liberdade trabalha”.
Mas isto é só uma folha de jornal. O importante são as mãos que a seguram.
Diário de Coimbra, 10 de Janeiro de 1997
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