25/06/2005

Inocência

Na muito limitada parte do Mundo onde cresci, as casas eram habitadas sobretudo por gente operária. O bairro existe ainda, entre o monte com o marco geodésico dos militares (suponho eu) e o cinturão de fábricas. As unidades fabris justificavam a designação algo pomposa de zona industrial. Produtos da zona: crianças, bolachas, rações, louça sanitária, ferro fundido, correntes, cerveja. O todo era rematado por um matadouro, um aviário, uma escola primária e uma preparatória.
Em 1979, as coisas começaram a acabar. Para mim, digo. Fui para a cidade fazer o liceu. O uso dos autocarros urbanos e a visão das raparigas perfumadas de chiclete acabaram de vez com a inocência. A minha, digo.
Mais de 20 anos depois, sei que as fábricas estão a fechar, umas a seguir às outras. Há quem rosne um projecto de urbanização para o sítio do marco geodésico. Eu olho para isto e sei que, no fundo e na verdade, o que se passa é que tudo isto significa apenas que se preparam para acabar, outra vez de vez, com uma segunda inocência que eu nem sabia que tinha.

O Correio (Marinha Grande), 12 de Abril de 2002

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Canzoada Assaltante