25/06/2005

Assalto Mortal

Acontece-me muitas vezes: sou assaltado por mortos. Roubam-me.
Os mortos roubam-me a tranquilidade. Recusam o esquecimento. Todos os mortos são ladrões. Os familiares, que vivem no sangue, manifestam-se pela distracção.
Quem não assistiu já ao espectáculo de uma pessoa que, sem aviso, fica de olhar fixo, alheia a tudo? Essa pessoa está a ser assaltada por um parente defunto.
Os mortos amigos manifestam-se pelo soluço que corta a meio uma gargalhada. Exemplo: estamos no café, rimo-nos a propósito de qualquer coisa. Alguém diz: “Fulano é que costumava fazer isso…”. E pronto: uma sombra desce sobre o mundo da mesa de café.
Todos somos náufragos de alguém. Pensar que isso não tem remédio, é muito penoso. Para mais, em pleno Verão, que é azul e pincha de crianças desfraldadas como bandeiras. A tudo assistindo de muito perto, os mortos levam a mão ao rosto. Ao meu rosto. Ao vosso, também.


O Aveiro, 6 de Julho de 2000

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Canzoada Assaltante