O Outono já mostrou a cara. Ainda não é, mas já (a)parece. Apetece já acender o lume, chamar as castanhas e a jeropiga. Já é suave ouvir a dança nua da chuva nas vidraças melancólicas. As rosas irrompem como bocas de cor. As pessoas passam a preto-e-branco, levadas por um rastilho de piano de cinema mudo. A vida é uma doença linda. Crianças estreiam livros e cadernos. Os dentistas vêm à janela cantar A Marselhesa. Por momentos, a existência suspende a dor e vem à rua ver o amarelecer da folha. No fundo de tudo, está a morte, mas finjamos com decência que não. Que o novo dia embala o celofane da nova noite com requintes de jantar de velas e álgido champanhe. Os amantes cruzam o espaço como riscos de estrelas. Os velhos tocam a pedra com pétreas mãos antigas. O mar chama de longe os filhos barcos. O pássaro, o peixe, a lonjura, o sal, a distância, a fragrância, a sacana da memória e o sacana do desejo. Horas longas. Boas, apesar de tudo.
O vento canta. Façamos como ele. A política não é tudo. Sobretudo quando é nada.
O Correio de Pombal, 13 de Setembro de 2002
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