28/06/2005

Os Consultórios

O meu amigo médico atende um casal antigo na penumbra branca do consultório privado.
O homem apresenta irregularidades no coração e na memória.
A mulher lembra-se de tudo, mas os intestinos andam-lhe trôpegos como gatos velhos.
O doutor assenta neles um olhar bondoso, prescreve-lhes pastilhas inúteis contra a força do tempo, a areia da vida.
À mesma hora, também em privado gabinete, o meu amigo advogado espera a marcação do casal que é atendido agora pelo médico - uma questão de serventia com um vizinho tão viúvo como hostil.
Para entreter o tempo, o advogado relê o Oliveira Martins do 'Portugal Contemporâneo'.
Depois do advogado, o casal antigo terá tempo de comprar no armazém mais antigo da vila (hoje cidade) uma saca de milho e outra de trinca de arroz para os animais, que, em casa, cumprem as leis fixas da terra, do coração e da memória.

Pombal, 26 de Janeiro de 2005

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Canzoada Assaltante