27/06/2005

Velhos

Fiz recentemente uma viagem à chuva. Foi pelo cair da tarde. O Outono já pesa na atitude. Como não era eu a conduzir, permiti-me ir apreciando pela vidraça a beleza triste do mundo, essa formosura melancólica de todos os fins de estação. A condução era precária, exigindo do condutor toda e mais alguma atenção.
Mesmo assim, foi possível ir conversando. Éramos cinco pessoas no jipe. Os temas iam sendo batidos na corda bamba do diálogo sem restrições. Falou-se de muita coisa. Uma dessas coisas foi a do poço natural entre as sucessivas gerações. Quem conduzia, tinha 37 anos. Eu, 36. Os outros, 28, 24 e 23. Ou seja: três jovens e dois cotas, como agora se costuma chamar aos que vão tendo mais coisas no sótão do que na sala de estar.
Uma das medidas mais eficazes para aferir a diferença de idades é o gosto musical. A condutora e eu alinhávamos nos Supertramp, Simon & Garfunkel e (valha-nos Deus!) Cat Stevens. Os restantes diziam umas palavras assim do tipo drum n’ bass, techno e derivados.
Naturalmente, tudo isto é natural: o tempo passa e nós não ficamos. Nem para semente, nem para exemplo. O mais que nos sobra é ir fazendo umas viagens em boa e serena companhia, comer uns jantares sem pressa nem horário e alinhar no número dos que, reconhecendo a efemeridade do tempo, tentam aproveitá-lo da melhor maneira.
Mas alguma coisa (triste e bonita como o tempo que fazia) me ficou na ideia. E essa coisa é uma canção dos velhinhos Simon & Garfunkel. Nela se fala dos idosos sentados em bancos de jardim como "bookends". Isto é: como encostos de livros, para ali apenas, à espera de nada, à espera de voltarem a ser nada. Há dias assim.


O Eco, Pombal, 6 de Outubro de 2000

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Canzoada Assaltante