Durante alguns anos, fui vivo numa vila breve. Era, e ainda é, uma povoação habitada por esse tipo de gente a que se costuma chamar simples e laboriosa. A vila tem alguns edifícios de nome aumentado pela lupa da História. Em torno, os campos de arroz parecem olhos verdes molhados. Do que comi, bebi e amei nessa terra, guarda o meu corpo memória e cicatriz. Anos volvidos, estou de volta. Os dias são mais activos. A juventude, como lhe é de competência, renovou-se. Os velhos estão um pouco mais antigos. Já há mortos numerados entre o meu ir e voltar. Há mais lojas, mas também menos gente nos cafés. Os sinos batem as horas matadoras. A calma desce as escadas da tarde. O inverno não é muito frio, o verão traz a devoção financeira dos emigrantes. Tudo na mesma, diria. Tudo na mesma, não. Já cá não está o Armando, nunca mais há-de voltar o Armando. Ouro me foi tê-lo conhecido, sal me é não reencontrá-lo na volta à breve vila, à breve vida.
Encerro esta breve e inútil crónica com a lembrança de um dito de Kierkegaard, um senhor estrangeiro que filosofava mas já morreu: “Olhamos os outros objectivamente e a nós mesmos com subjectividade.” Ou seja: não perdoamos ao vizinho o que para nós tem sempre desculpa. Na manhã de meio Maio, escrevendo no café pouco concorrido, olho para a rua e vejo a má estrada sobre que não voltará a passar o Armando.
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