O despertador, pontual, desatarraxou a cabeça do deitado às sete e 45 da manhã.
A cabeça, sem abrir os olhos, subiu ao candeeiro.
Aí, abriu os olhos para assistir do tecto ao espectáculo do corpo decapitado
que
imitava sem querer uma mola da roupa:
as pernas separadas,
as costelas unidas pelo arame do coração,
o forte azul da respiração.
Depois a cabeça desceu
e
atarraxou-se sozinha ao casquilho do pescoço.
Levantei-me,
verifiquei a ordem dos objectos do quarto,
compus a pilha de discos por ameaçar ruína (a pilha),
dei um pontapé descalço na peúga de ontem,
rugi um bocejo igual ao do leão do cinema
e
viajei até ao lavatório,
onde
grunhi água de sabão,
contei os dentes,
raspei a barba
e
descobri o mesmo outro de sempre com mais uma noite.
Banhei-me na cascata domesticada.
Emigrei para a cozinha,
onde
me pasteurizei de leite e bolachas.
Saí para dentro do animal quente da tanta luz de Junho.
Tondela, 22 de Junho de 2005
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