30/06/2005

Notas para Histórias

1

O homem que entra no bar da estação de serviço.
Tem um chapéu amarelo na cabeça.
Uma fita castanha rodeia a copa.
Causa estranheza.
Os camionistas que comem sopa e bifanas no pão olham-no com homofobia.
O homem do chapéu pede água mineral e pão com manteiga.
Mais estranheza.
Um dos camionistas assobia.
O empregado de balcão não reprime o riso.
O homem rejeita o copo, bebe um pouco da garrafa de água, pergunta quanto é, paga em moedas contadas com o mindinho esquerdo na palma direita, sai do bar com o pão inteiro, que morde no carro enquanto liga o rádio, engata a primeira e arranca, rumo ao resto da noite, ao resto da história, sua dele mesma história, num mundo onde usar chapéus amarelos é tão precário como não ser camionista, comer sopa, ser empregado, olha a bifana a sair, serviço só ao balcão.

2

A mulher que espera o cessar do aguaceiro sob o pórtico de lona da ourivesaria.
Ela própria susceptível de confusão com as outras jóias expostas.
Os carros passando na ordem semáfora da realidade, seus charcos, seu escoamento.
O tribunal do lado de lá, o hipermercado, a absurda naturalidade da Natureza.
Um helicóptero paramédico entrecorta o som da respiração: vietnam benigno.
A mulher recebe uma mensagem escrita no telemóvel, que esperava há muito mas só lerá depois, cruzada a rua, passada a passadeira, chegada ao tribunal.


Pombal, 30 de Outubro de 2004

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Canzoada Assaltante