30/07/2013

Rosário Breve n.º 319 - in O RIBATEJO de 25 de Julho de 2013

Malhar no linho

É com uma espécie de estupor sereno que confiro a terraplanagem da existência, mercê duvidosa dos anos compressores. A uma banca de Café de bairro, não se me estraga a vocação de viajante sentado, mais atento à fábrica de imagens com que por dentro giro e digiro a luz do mundo do que à orwelliana suinicultura em que o meu (e teu) descoroçoado País se degradou.
Vindo e indo de temperada moderação (e modulação) o corrente Estio, chega a ser gratificante apontar os óculos aos enigmas simples disso a que à falta de melhor palavra chamamos Realidade. Cuida, ó Leitor(a), que se não trata, por parte minha, de uma passividade mas sim de um alternativo malhar no linho, por assim dizer. Tu e eu, para bem mal nosso, sabemos que à desPolítica não há que dar confiança – há que dar palha, por ser burra. Só que, enquanto de todo me não vibrar través a nuca o cutelo da hora última, todo o instante me será primeiro – pois que cada novo dia ou é renascimento ou não é dia nem novo.
Em menino, eu não temia o futuro. Naturalmente não, posto que cada criança é o futuro mesmo feito corpo. Só se envelhece quando se passa a temê-lo. Nos entrementes, porém, como a gente sabe, os anos a tudo terraplanam. Outra conjunção adversativa, ainda assim, saibamos opor a tal “porém”: todavia. Assim: todavia, subir em idade (para descer a/o tempo) não é tudo amargor. À infecta fauna do regime “cagarro” de nossos tristes dias, o alegre e comovente e comovido momento contraponho, esse de quando, a casa volvendo, me dou de rosto com a taça de fruta fresca que a minha Senhora pôs a presidir à camilha antiga e limpa que a Avó dela lhe transmitiu. Como jóias vivas, os frutos dão de si a colorida água-forte & a substanciação do açúcar. Por outro mais simples lado: são pêras.
A visão é mais-que-perfeita como um pretérito longe feito perto hoje, não todavia suficiente para me fazer esquecer, ante todo este espúrio e estupefaciente carnaval de crocodilas lágrimas antecipadas pró-pré-morte de Nelson Mandela, que em 1987 (há meros 26 anos, portanto), reunida a Assembleia Geral das Nações (alegadamente) Unidas, ia a moção plenária um apelo à libertação incondicional desse gigante sul-africano. Votaram a favor 129 países. Três votaram contra: os EUA, então tragicomicamente rendidos ao Reagan, a Grã-Bretanha, da Thatcher, e um tal Portugal dum tal… Cavaco.
Nem quem viola é preso, nem quem é violado esquece. A nossa amnésia carneirinho-multitudinária persiste em procrastinar (isto é, adiar; isto é, odiar) o evidente. E o evidente é a quinta de porcos do velho Orwell, que a tudo e todos, filósofos de Café de bairro incluídos, pretende terr’arrasar.

Por meu linho, que à camilha da minha Senhora dá corpo como outrora o futuro corpo deu à minha infância, que o não permitirei sem luta. Nem sem pêras, dessas doces e de anatomia tão similar ao violino e, já agora, à minha Senhora também. 

22/07/2013

Nomes da maltosa

19h11m da tarde de 21 de Julho de 2013

Durante (muitas) horas a fio, procedi hoje ao acabamento de um trabalho encomendado. Era a revisão tipográfica completa da edição comemorativa do Centenário de uma instituição cujo nome não vem aqui a propósito. Os trabalhadores da mesma (designados como “colaboradores”, como agora é moda dos “sinergéticos”), às largas centenas, lá têm os honrosos nomes escarrapachados. Revi aquilo tudo. Pus acentos onde os deveria haver, descolei justaposições, tirei e pus negritos, tudo. É trabalho picuinhas, mas que adoro fazer. Como recompensa, e à sorrelfa, copiei alguns dos apelidos mais peculiares. Como se trata de obra dada à publicidade (i. e., a lume público), tudo bem. Não é informação confidencial. Ei-los, a alguns desses nomes tão lindos, giros e bonitos, para Vosso deleite, que meu foi também:

Lúcia Alá (sim, verdade)
Coelho Calado Cortes (sim, tal e qual)

E AINDA

Santos Bem
Serigado
Casquinha Branco
Paliotes
Pepe Toninho
Labreca Maduro
Bleck Louza
Stélio Pino
Plácido Pisa
Nogueira Pica
Caciones Marreiros
Lúcio Franganito
Rosa Narra
Violante Matado
Bogango Bonito
Carasco Mosca
Beiçudo São Braz
Amante Honrado
Tendinha
Mealha
Calçarão
Achando da Costa
Terceiro
Pargana
Estiveira
Louzeiro
Papuchinha
Mota Mosca
Pompónio
Carepa
Chumbinho
Pernão
Ganhão
Nugent
Galante
Fontenete
Horta Lago
Bragada
Inverno Barroso (pois…)
D’Avo Neto
Pascoal Amendoeira
Verdasca Carvalho
Rabita
Borga (deve ser meu primo)
Passarinho
Machacaz
Doutor de Assis
Parracho
Conchinha
Vinagre (deve ser meu primo também)
Espadinha
Chouriço
Matela
Escaramaia
Escarameia
Marmelo
Marrafa
Cachaço (se fosse no feminino, era minha prima, claro)
Higino
Marouvo
Balão
Leirião
Ratinho (se fosse no feminino, era para Verdasca Carvalho…)
Tibúrcio
Arteiro

E AGORA REPARAI NESTES DOIS:

Sim Sim Penetra
Bacalhau Alho

E AINDA

Palancha Canudo Chouriço (sim, uma pessoa só, aqui não há truques)
Barsiliza Mazaroto Orelha (chiça…)
Borracha Martins
Pato Oca
Barqueta Bragadesto
Ferreira Carracinha
Maduro Ilhéu
Farinha Pimpão
Canoa Hora
Costa Folgado
Costa Potes
Travanca Pela
Mariquito
Remísio
Lopes Quina
Generoso Boto
Velez Sátiro
Mansinho Gens
Caramujo Branco
Pechina

E para acabar, esta delícia:

General Abelha.



20/07/2013

Soneto feito há minutos em caderno estreado há pouco



EM SEQUEIRO

Leiria, 20/VII/2013, sábado



Ao sequeiro dos anos, as imagens verbais
tendem, algumas, a consolidar-se em pétreo éter.
Inumeráveis & inomináveis sempre, as aves reais
também escrevem & lêem também, preciso é ter

pão justo e enxuto arroz que se lhes ofereça.
Na idade da humidade, os ossos rangem capciosos,
já o derradeiro Inverno, em coração & cabeça,
faz dos prazeres ínfimos os mais capitosos.

Esta tarde, emudecido em ermo benévolo rincão,
soliloquaz se me volve, por escrito, a solidão.
Mas dei já a pombas (duas) e a pardais, uns quatro ou três.

Iço ora o cós das calças, reordeno os artigos do bornal,
saúdo a senhora Rita, que fecha p’ra descanso semanal
e vou de soneto feito, como me vês & aqui lês.

18/07/2013

Rosário Breve n.º 318 - in O RIBATEJO de 18 de Julho de 2013

Rio Sabença

Nos tempos mais recentes, tenho sabido abster-me de comentar por escrito a tragifarsa pulha da política à portuguesa. Por razões curiais e duas: uma, por higiene mental pura e simples; outra, por não querer engrossar o lote de comentadores e de “tudólogos” que infestam os jornais, a internet, a rádio e a televisão, chusma quase invariavelmente abaixo de medíocre que me levou a tornar-me num especialista do “zapping”.
Alheado (mas não alienado) dos fedelhos da tríade PSD-CDS+PS (a quem Cavaco instigou a “salvação da Pátria”, assim de facto e deveras exortando aos gatos a convalescença dos ratos), salva-me diariamente a boa sorte de ter perto da porta um rio que passa e fica. Todos os dias o abeiro. Mirando-o em silêncio, permito-me reiterar a volúvel essência da transitoriedade. Da banda d’além, panos de relva bem cuidada verdejam ao sol. A luz resulta em puro ouro açucarado à língua dos olhos, que as águas vitrificam aos pirilampos numa hialurgia sem cotejo possível. Mães jovens infantam de carrinhos-bebés o areal dos passadiços. Corredores calvo-cinquentenários destabacam os pulmões ortopedicamente. Sonetistas concorrendo a prémios município-literários florilegiam rimas difíceis e vácuas. E homens-sexuais discretos cobiçam óptico-lambedoramente o rapazinho que há muito deixei de ser. Assim, de borla e em graça, me imunizo a vesânias & tristuras, ostracizadas as fialhescas caganifâncias do nosso triste cenáculo lesa-pátrio.
Contra o rio que perto passa de onde a casa me fica, nada pode a esquadrilha de moscas poedeiras do “comentário”. Nada. Ante o eflúvio, sinto-me natural como a chuva e o pardal. Brandos zéfiros e suaves favónios ventilam-me a respiração, pacificando-a de uma doçura e de uma paz de que há muito me não julgava merecedor.
Queiram o meu paciente leitor e a minha formosa leitora pastar de olhos comigo a cena cardial de tanta serenidade: de oriente, um congresso de cirros nimba a coalhos o azul-forte do firmamento; a ocidente, sente-se como se aqui mesmo a mesma ânsia oceânica; do norte, a perenidade lavada da pedra que encima o repouso terminal de meus Pais; e a sul, a invencível beleza do Ribatejo e das minhas leitoras.
Nem por um instante se me desatavia a compostura: à cacolalia-tatibitaite de marcelos, santanas, moitas, sócras, pachecos & quejandos nadas, oponho um nefelibatismo todo-o-terreno de largo espectro de acção filantrópica. Chouso sem remorso o meu coração mental a tal escória. A tais choutos, contraponho, firme, uma passada vertical de vertebrado pobre mas sério. Vale-me a magna Natura de cartapácio. Álamos, faias, salgueiros & plátanos perfumam-me em e de uma supina gentileza a mais diáfana. E a simples visão de um cão a dormir à sombra, pela torrefacção da mais alta hora da tarde estival, é quanto me basta para ser uma espécie de cenobita sem pecado ou mandamento.
Nada me custa, por outro lado, reconhecer ante Vós, e de viva voz, que, assim, nunca, como o meu País, estarei de volta aos “mercados”. Que nenhuma mordomia gatuna encourarei em arca mealheira. Que nenhuma filha de banqueiro me espremerá o acne. Que, por assim dizer, jamais me cinhajardinarei em uma Cascais-wanna-be-Saint-Tropez, benzido de frivolidade e em lustral aparato de gardénia de plástico. Isto porque: não é que a idade me haja trazido sabedoria – mas é que me trouxe a arte do desprezo.

Para guarda-rios, convenhamos, já não é pouca sabença, indo/ficando o longo rio breve da vida idem.  

11/07/2013

Rosário Breve n.º 317 - in O RIBATEJO - www.oribatejo.pt

Se queres ser gente, chama-te Bruno

A edição pretérita deste nosso/vosso O Ribatejo assuntava, entre outros temas matrizes da actualidade de uma região cujas lezírias humedecem à luz como verdes olhos ou esmeraldas virentes, uma realidade notável. Essa notável realidade chama-se Bruno João, nascido há três décadas apenas. Vinha a páginas 19, no entrecho do suplemento especial que a Redacção dedicou a Mação.
Bruno João é rapaz’omem: já fez a tropa, já lhe nasce a barba, já lhe reluz ao anelar esquerdo a forca de ouro dos matrimónios consumados. Em cinco colunas e duas fotografias, o jornalista (que não assina, mas deveria tê-lo feito, por bem feita que a coisa está e fica) revela-nos um cidadão que não ficou em casa à espera do que e de quem não prometia vir. À face da terminação da ligação contratual com a Força Aérea e ante o espectro do desemprego, esse ócio óxido de corpo & alma,  olhou-se ao espelho e viu-se reflectido em barbeiro. Comprou uma carrinha (com gerador, painel solar e tudo), comprou uma tesoura, comprou uma navalha. As mãos ficaram-lhe de borla desde a nascença. A vontade de fazer vida trabalhando parece que também. Ei-lo, pois, de aldeia em aldeia, a períodos certos como a lunaridade feminina e as asneiras do desGoverno. Tine dextra em sua mão a prata inox da dupla lâmina, desarbustando o excréscimo capilar do freguês. É cena portuguesa: qual a estridente buzina do peixeiro ambulante atraindo o mulherio, assim a mornidão parlamentária de todo o barbeiro atrai os aposentados, que, a pretexto de aparar a grenha, acodem ao Bruno João como a mariposa à bugia acesa.
Mação, para seu bem (A Bem de Mação, parafrasearia até), sofre a visita benigna deste profissional de rosto suave e delicada delineação, a troco de uns trocos que, dourados, lhe creditam o gasóleo, a atitude e o invencível verniz natural das unhas que trabalham sem ser por viola, ou guitarra, de cigarra.
Sinopse: Bruno João tem trinta anos. Ficou sem trabalho. Não se ficou. Ex-militar, aparou por treino o próprio cabelo, primeiro. Depois, desgraçou com graça e de graça alguns colegas e amigos. Meteu papéis de matrícula na Escola de Barbearia do Centro de Formação Profissional do Penteado, Arte e Beleza. Diplomado (sem ser à Sócrates &/ou Relvas), fez-se à estrada e à vida.
Era a páginas 19 de O Ribatejo de 4 de Julho pretérito. Aprendi que ser Bruno ajuda muito a ser gente. O nosso barbeiro é Bruno e João. E fontes as mais fiéis minhas me garantem que o tal jornalista também é Bruno. E Oliveira.

Leitor: queres assim ou mais curto?

04/07/2013

Rosário Breve n.º 316 - in O RIBATEJO - www.oribatejo.pt

Um gozo diferente da comum gente

Nas terras pequenas, as existências idem são por vezes mosqueadas de um gozo diferente do da carne (viva ou assada), por a ela concorrer tão-só a serotonina específica da emoção má chamada “desforra”. Nas terras maiores não será talvez muito diferente, mas disso não falo por coerência retórico-geográfica: nada valho, nem (d)a terra onde vivo. Mas adiante.
Foram os casos, esta semana, da queda daquela arrastada e paulatina e errada figura tão desfasada do real como os islamitas do toucinho, os indianos da higiene e o zamericanos das crianças desarmadas, amailo da condenação efectiva a dez anos de prisa daquele quisto lustral que em má-hora soube guindar-se ao leme de um Clube que já viveu melhores assembleias e melhores coloniais.
O gostinho a pólvora no palato da alma substanciou-se-me de uma doçura que já só pertence ou à justiça inequívoca ou às crianças desarmadas.
No dia da demissão do ministro que falava devagar e prejudicava depressa, regressava eu a casa de uma incursão de cinco dias à minha cidade-natal. Dei por mim, quando soube da velha nova, a assobiar solfejos de adolescente a quem o futuro é um futuro de sentido obrigatório, proibido é que não. Libei a nova (no sentido de “notícia”, que às vezes tenho de explicar tudo) apeadeira com uma tacinha fria de branco agulhado da Mealhada que me soube a champanhe em Montmartre sustido em sovacos por coristas do Moulin Rouge.  
No dia seguinte, soube-se daquilo do burlão que ainda gozou uma data de tempo o preto e o prato em Londres até que o TriboPortunogal o cangou a preceito. Sorri então eu o mais escarninho dos meus rictos – se o Vale e Azevedo, por uns (não muitos, mesmo assim & afinal) milhões, apanhou o que apanhou, quantos não apanharia (em milhões e anos) o Gasparzito, o Lento-Rápido, no caso de as fraudes com direito a carimbo governamental serem vistas e tidas e entendidas e punidas como tão criminosas quão as do foro privado?
É ciência corrente que “com uma pistola se rouba um banco, mas com um banco se rouba toda a gente”. O roubar só é crime, sabemo-lo, dependendo do lado do balcão. Ora, esse (não tão metafórico quanto isso) balcão ladra e morde. Já o médico (por regra) se distingue do político (com excepções) por isto: aquele jura por Hipócrates, enquanto este é um hipócrita que jura. Entre o Gaspar e o Vale, no cadinho já não crisol do meu entendimento, a diferença está na evidência de o advogado só ter lixado o Benfica, ao passo(s) que o alegado “génio financeiro” deu cabo do Benfica, do Sporting, do Penafiel, do Lusitano de Vildemoinhos, do União de Tomar, das Académicas de Coimbra e de Santarém e de Newark, da Segurança Social Futebol Clube, do Comércio & Indústria das Relações com as Mulatas de Cabo Verde, da Juventude Salesiana do Tempo em que os Hoquistas de Doze Anos ainda não Eram Vítimas de Pederastia, do Futuro dos Nossos Filhos Todos sem Excepção, do meu vizinho João, do Pequeno Retalho de Famalicão, do Bom & do Mau Jesus de Braga, mais de Quem Consome, se Some e não Paga, dos Pescadores de Caxinas, do Alterne Lusobrasileiro das Meninas, do Barbeiro Abel, do Tanoeiro Ismael, do Copeiro, do Furriel, do Porco & do Respectivo (do Porco) Granel.
Vale e Azevedo tem muito quem o substitua. Gaspar só teve, ou tem, esta bracarense chamada Albuquerque que, ninguém sendo de facto, se deu já ao luxo-lixo de deveras mentir, antes de Ministra ainda, ao Parlamento. Triste sina e triste sino: tudo por nós dobra. Tudo nos cobra. Deve ser obra.
Jure-nos Hipócrates, ainda que nos não cumpra.

Antes um menino daquele do zamericanos de pistola na mão e do tamanho antropométrico do novel desempregado, vulgo Gaspar, vulgo qualquer coisa dessas. 

Canzoada Assaltante