27/06/2005

Momentos

Há dois momentos do dia, todos os dias, que nos deveriam servir de instrumentos de auto-análise.
O primeiro desses momentos acontece quando, levantados da cama, levamos o rosto a beber no espelho da casa-de-banho. Momento terrível, porque de toda a verdade.
O segundo ocorre quando, à noite, apagamos a luz e desistimos a cabeça na almofada. Sobre as pálpebras, descem então as derrotas e as vitórias do dia de trabalho. E os desejos. E os ombros algo descaídos da memória. E alguma auto-ilusão, que só há-de ruir no outro momento, o do espelho.
Entre um e outro, a ponte das horas é por nós cruzada com a coragem e a mesquinhez comuns a toda a humanidade. Como num conto de Julio Cortázar, deveria ser-nos possível ler, em visão aérea, a caligrafia dos nossos passos pela cidade. No itinerário de cada dia, fica escrita a nossa vida. E a nossa passagem. Que um dia acaba, cansada de mo(vi)mentos perpétuos.



O Aveiro, 30 de Novembro de 2000

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Canzoada Assaltante