Glória Grimalde Vargas, senhora de 45 anos, vivia só, mas não demasiado só, numa torre de apartamentos.
De profissão directora, auferia para vestir, calçar e comer, conservando na garagem um carro sólido como um monarca de outros tempos. Cerâmica de colecção encimava o bom aparador da sala, sobre que também um cristal de vinho da Madeira e um frasco de ginjas cristalizadas. Revistas pausadamente dispersas arrumavam pela sala uma desarrumação de leitora ávida, que não era. E as siglas electrocutavam a modernidade: TV, DVD, ADSL etc.. A solidão próspera era o tipo voluntário de Glória. Até que Mário.
Tinha vindo para estudar arquitectura, mas estudou. Curso tirado, só lhe saiu um horário de professor no regime nocturno. Saía às onze da noite sem saber para onde ir e ia. Um restaurante de ceias para alcoólicos desembaraçados de dinheiro abria portas até que fossem quatro da manhã. Mário comia, desenhava pontes e urbanizações num bloco, aborrecia-se sem metafísica e aguentava.
Glória Grimalde Vargas jantou lá numa ocasião de muita chuva, essa intempérie que dá solidariedade aos que vêem entrar. Glória vinha adiantada para ninguém, pelo que se achou só numa sala cheia. A única mesa (três lugares, menos Mário) era a de Mário. Desembaraçada, directora, pediu lugar ao cavalheiro.
Mário fez que sim sem favor, preparando-se para guardar as pontes na pasta. Glória quis ver, interessada sem favor. Mário mostrou. Falaram de cidades, passadas e futuras: falaram de cidades como se falassem de pontes, e é isso o tempo.´
E é esta, a prova.
Pombal, 1 de Fevereiro de 2005
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