Há um quadro de Giorgio de Chirico chamado “Canção de Amor”. Data, 1914. Magritte viu uma reprodução fotográfica do quadro. Ficou doido. Magritte não se importava com o trivial, nem com o comércio, nem muito com gente como o irmão mais novo, Raymond. Extraía deles o não trivial, o mistério. Nem Quéops, a pirâmide vista ao vivo, o fascinou: era parecida com o que esperava dela a partir de reproduções, conta Marcel Paquet. O outro irmão, Paul, importava-lhe.
No meu quadro de 1967, não vejo cavalos. Desconheço o fotógrafo, decerto alguém da família, quando ela era toda. Irmã, guitarra, monte – tudo isso nesse ano final de Magritte. Não podemos ver os cavalos. Só posso pedir-vos que acrediteis neles. Eles eram, como o Verão era, como terei sido. Mas podemos dar-lhes imagem: imaginá-los. Gostarei disso. Ver cavalos invisíveis é tão de pintura como de literatura, descubramos as diferenças de ofício. Magritte não viu a foto, mas veria os cavalos.
A irmã boceja hoje na manhã grisalha. Falo agora de outra imagem, não da foto inicial deste livro. Acabo de vê-la. Dormiu mal. Sucede-lhe sonhar coisas que depois aparecem escritas em livros. Conversamos um pouco, depois parto. Deixo-a. Só torno a vê-la na fotografia. Falo outra vez da fotografia da irmã de 1967, o ano da morte de René Magritte (1898-1967). Falo de cavalos. Nada de psicolinguística, atenção: René não gostava de psicanálise. Nada a ver com o sofá de Viena. Nem mesmo que a mãe de Magritte se tenha suicidado no ano em que o futuro pintor faz catorze anos.
18 de Junho de 2004
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