Navegando em plena sola de sapato pela cidade, sozinho como um cão, verifico os rostos dos outros. Em todos os adultos descubro essa brandura triste, essa branda tristeza que é a marca-de-água do rosto português. Nos jovens, leio a excitação comercial dos consumos do pré-Natal. Chego ao café C., tomo assento rente à parede e continuo a ver caras. Caras e subúrbios de caras: cabelo onde o tempo pousa a neve, orelhas cosmogónicas que encerram a espiral das nebulosas. E bigodes, brincos, verrugas, dentes. E casacos, anéis, relógios, telemóveis. Toda a parafernália de objectos, enfim, que sitia os rostos.
Finalmente, dou por mim olhando a exposição de noivas numa montra de fotografias. Jovens, roliças, fotografadas de manhã, pouco antes do abate.
Vestidas de branco, sorrindo de branco. Certamente, o sorriso é a capital do rosto. Mas nos subúrbios, mesmo que nupcial, lá está a tal brandura, a tal suave tristeza que nos leva pela mão por todas as ruas da cidade.
O Correio (Marinha Grande), 21 de Dezembro de 2001
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