25/06/2005

De Caras

Navegando em plena sola de sapato pela cidade, sozinho como um cão, verifico os rostos dos outros. Em todos os adultos descubro essa brandura triste, essa branda tristeza que é a marca-de-água do rosto português. Nos jovens, leio a excitação comercial dos consumos do pré-Natal. Chego ao café C., tomo assento rente à parede e continuo a ver caras. Caras e subúrbios de caras: cabelo onde o tempo pousa a neve, orelhas cosmogónicas que encerram a espiral das nebulosas. E bigodes, brincos, verrugas, dentes. E casacos, anéis, relógios, telemóveis. Toda a parafernália de objectos, enfim, que sitia os rostos.
Finalmente, dou por mim olhando a exposição de noivas numa montra de fotografias. Jovens, roliças, fotografadas de manhã, pouco antes do abate.
Vestidas de branco, sorrindo de branco. Certamente, o sorriso é a capital do rosto. Mas nos subúrbios, mesmo que nupcial, lá está a tal brandura, a tal suave tristeza que nos leva pela mão por todas as ruas da cidade.


O Correio (Marinha Grande), 21 de Dezembro de 2001

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Canzoada Assaltante