Chegam de onde não sei, vão-se embora para onde desconheço. Deixo-me estar enquanto não chega o momento de me tornar um dos outros, um outro.
Há um palco vazio na sala onde fico. O cenário: um arlequim de costas para um manto de estrelas brancas sobre fundo azul-escuro. Um piano de parede. O piano é negro. Uma cadeira e uma mesa, ambas de ferro, completam o vazio.
Não espero nem demoro. Para já, é apenas agora. Os músicos não obtiveram contrato para hoje. O mestre da sala temeu a concorrência do grande festival à beira-rio desta noite.
O martírio já não é a minha flor. A realidade imediata da mão esquerda, que prensa o cigarro enquanto espera pelo cessar da direita, é a maior evidência. Com ela levei o garfo do jantar à boca. Mordi carne, engoli carne, macerei azeitonas, engoli água e manteiga, pedaços de alho esmagado. Depois, fui um dos que chegavam. Ocupo uma cadeira e uma mesa, de madeira ambas, no lado oposto ao arlequim. Ainda é agora, como sempre. O tampo da mesa de madeira é de mármore. Uma folha de pedra fria, muito lisa, muito humana. Contra o tempo, o papel admite enumerações as mais inofensivas: rinoceronte, céu, guerra, douro, você, público, folha, medição, açor, baleia, social, estudo, finissecular, verde. Isto decorre do estar fora, não de mim, mas de outros.
(Bar d'A Barraca, Lx, 6 de Maio de 2005)
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