25/06/2005

Honra

O meu único pai despediu-se da vida, ou foi por ela despedido, aos 77 anos de idade. O corpo dele considerou que chegar vivo ao mês de Abril de 1994 era suficiente. E foi. De modo que fiquei sem pai.
O Estado português gostou da notícia. Passou a pagar menos 29 contos mensais de reforma a um bicho que tinha contribuído, durante meio século de fábricas e manhãs de nevoeiro, para a Excelsa Pessoa Colectiva Mas Não de Bem Que Honramos na Bandeira.
Naturalmente, o meu País não sente, como eu sinto, a falta do meu Pai. Nem é por aí que vou. Por onde vou, é por aqui: é talvez tempo de pôr um ponto final na conduta desavergonhada de um Estado (eu até disse Estado, nem disse Governo…) que não sabe, ou não quer saber, respeitar a velhice dos operários que foram sempre a gamela a que os porcos metem focinho para engordar as educadas entranhas.
A revolta é mais secular que o século, eu sei. Mas como nos preparamos todos, eu e vós, para chegar ao fim da vida sem que a vida tenha começado, aqui fica o registo de que, ao menos, alguém tem a certeza de o Estado não ser, mesmo, uma pessoa de bem. Porque não é pessoa, primeiro. Segundo e último, porque nem sequer sabe o que perdeu quando perdeu o meu Pai. No desgosto e na alegria, pagar impostos é o mínimo. A honra é outra coisa. Não há dinheiro que a pague, senhor ministro. Seja V. quem for.


O Correio (Marinha Grande), 22 de Junho de 2001

Sem comentários:

Canzoada Assaltante