De uma assentada, a roda da vida marcou os três números finais de outras tantas existências incontornáveis do século XX português: Vasco Gonçalves, Eugénio de Andrade e Álvaro Cunhal.
Do general, guardo o patriotismo abnegado de que deu mostra maior na hora de retirada de cena. Não quis nem exerceu o poder pelo poder. Retirou-se com a discrição própria dos seres maiores, reserva moral e ética de um País de matraquilhos que raramente merece quem o ama.
Do poeta, herdo a cegueira da cal, o viço das manhãs e das raparigas, o peito dos rapazes e a solidão ígnea de habitante das sombras. Isso e algumas sílabas salgadas, outros tantos gatos e bichos-da-seda, algumas açucenas ciciadas por cegarregas ao sol do campo, à contraluz do mar.
Do político, persigo o exemplo de uma vida total. Líder, escritor, historiador, desenhador, humanista, militante, ideólogo, foi enorme em tudo. De uma dedicação absoluta ao seu credo íntimo, configurou uma entrega completa de si mesmo que só pode confundir os ditos matraquilhos. Fundiu humanos amores dispersos em um único filosófico amor: à vida dos outros e à dignidade dos outros, sempre em detrimento de comodismos e medalhetas de 10 de Junho.
Dos três homens, de uma assentada, ficam as três vidas, não as três mortes. Celebraram, cada um a seu modo, a matéria solar, a casca terrena e a fluidez do mar. Morre-lhes o metabolismo, apagam-se-lhes as sinapses, aposenta-se-lhes a carnação.
O exemplo e as obras, não.
(O Eco, 16 de Junho de 2005)
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