O Natal Português é tão pobre, que só uma vez por ano acontece.
Ao contrário da Serra da Estrela, que acontece duas: uma, quando dá neve (precisamente para o Natal); duas, quando dá que montar aos ciclistas da Volta a Portugal.
Noutros países, há muito mais Natal, embora muito menos Serra da Estrela.
Português que sou, tenho pena. Tenho pena do Natal Português, não da Serra da Estrela.
Ter pena, aliás, é uma actividade que todos nós, Portugueses, partilhamos com a galinha, o tordo, o faisão e o senhor Ney Matogrosso.
Como a neve nos é escassa, visto que só na Serra da Estrela se digna o manto branco visitar-nos, o Natal Português é basicamente esferovite.
Acontece que a esferovite se esboroa com facilidade, pelo que os bons sentimentos da quadra costumam imitá-la alegremente, esboroando-se mal chega Janeiro.
Cá por mim, prefiro o Carnaval, que por aqui é todo o ano, ao contrário do que acontece no Brasil, que é o país do senhor Ney Matogrosso. No Brasil, não há Serra da Estrela. Por isso, no Brasil também não há Volta a Portugal, o que deve ser muito triste e dar muita pena, mas eles lá sabem.
Também gosto da Páscoa, mas menos: as amêndoas são duras e as próteses dentárias são mais dispendiosas que o subsídio de Natal médio. Subsídio de Natal que, aliás, e ao contrário da publicidade natalícia da TV, já não vem em Novembro. Nem em Janeiro.
Do que gosto mesmo é dos Santos Populares: sardinha e febra de porcum a grunhir na brasa, cheiro a Verão e ala de alegria que a noite se faz dia.
O Natal Português, enfim, é tristinho e tristonho: umas lâmpadas de circo pobre na rua, umas broas desejadas à pressa, a avó muito surda a falar de gente que já lá está, a mãe a ralhar por causa da gente que ainda não veio e o pai a jurar que, se este ano lhe dão outra vez meias de presente, há-de passar o ano só de sapatos para que todos saibam quanta falta de imaginação a família lhe dedica.
Resta o presépio, que é uma espécie de Serra da Estrela de miniatura com musgo natural e, naturalmente, neve de esferovite. Mas as ovelhinhas de barro são ternas, o Menino é de luz, há por ali abnegação, humildade, boas vibrações, enfim. Gosto de José e de Maria, cujo nítido amor pelo Deus-Menino me parece fazer mais falta a este mundo do que o dinheiro, o time-sharing em Albufeira, o Johnnie Walker Rótulo Azul e as diatribes amaneiradas das celebridades de TV.
Mas O Natal Português é mesmo só uma vez por ano. E é por isso que, todos os natais, me caço a mim mesmo (com auto-confessa vergonha vo-lo confesso) a desejar a Volta a Portugal e o próximo disco do senhor Ney Matogrosso.
Embora com pena.
O Eco, Pombal, 2004 d.C.
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