15/06/2005

À ida

Que sejas tu
(pois quem mais?)
a devolver-me às folhas daquele Outono
ainda sem número, talvez este.
Em recatado silêncio, ladrarás a minha morte,
o nosso amor, nunca a morte do nosso amor,
toma atenção.
A luz será fulva, ouro acastanhado, vegetal,
luz de bosques e partidas de comboio
para outra vida.
Os amigos, encanecidos, comovidos de graça,
devolver-te-ão simpatias dolorosas.
Rosas, sabes.
Sabes.
Os filhos, juntos, de escuro vestidos:
rosas, também.
Há tanto tempo não quebrava versos, amor.
Folheei a rosa: olha para ti.
Guarda-me os livros, os cadernos insensatos,
guarda-me a vida, mesmo a parte dela que vivi,
insensatamente, sem ti.
As tuas asas não são de gesso, que se não partam
agora que parto.
São de nervo e ar feitas, penugem dourada
que pude lamber em noites vivas.
Agora está feito.
Não tenho mais papel.
Tinta és: de sangue, de escuros filhos vestida.
Eu volto, querida.

Canzoada Assaltante