16/06/2005

De Camioneta de Carreira

A cidade é toda subúrbio de si mesma. Os bairros novos nascem velhos, paralelas caixas de ovos. Obras, betoneiras, pedreiros de torso nu como estátuas sem escolaridade. Pneus abandonados em vinhas abandonadas. O cemitério: um parlamento de mármore. Rotundas finais e saída. Último snack-bar, ala de oficinas auto e viagem. Durante meia hora, a camioneta de carreira vai tomar e apear portugueses e portuguesas de boné e cesto por aldeias quietas como fotografias. O sol da meia manhã já abrasa. Viver é um acto incandescente. Massa verde e olhos de pedra: pinho e granito. Povoações de giz configuram os longes. A carreira vai a todas. Abandona a estrada principal e mete por estradinhas de brincar, de que é preciso sacudir os penicos motorizados que tossem mistura e zumbem como abelhas enfurecidas. Mais verde, mais pedra. Ali em cima: uma casa que gostaria fosse minha. Como num chão de barbearia, o cabelo da caruma junca o chão fofo do pinhal. Panasco tão seco, que bastaria a respiração para atear-lhe o fogo. Uma casa de pasto famosa de frangos assados. Uma torre de igreja que alveja. As vidas chãs, de cal cerceada de azul. Encruzilhadas térreas de onde sobe o solitário triângulo da não prioridade. Um posto de gasolina, uma sede de junta, uma agência de seguros também escritório de contabilidade. Encostada a um muro, uma bicicleta radiografada ao sol como um esqueleto de ferro.Vou de carreira, uma tristeza indolor: faltam sete minutos para chegar. Diz que ao destino.

16 de Junho de 2005, 9h45-10h30

2 comentários:

Anónimo disse...

" De Camioneta de Carreira", à boleia ou como tu quiseres, quando é que apareces cá por Pombal ou Ansião, «MEN»?
Ó Men bons te voltam a ler!!!
Um abraço para o amigo Daniel "um homem a tempo inteiro", tudo de bom para ti... com amizade pura e dura deste Márito "men!".

Alexandra disse...

Um homem a tempo inteiro está bem dito.

Canzoada Assaltante