O rapaz estava sentado ao balcão, luzes azuis radiografavam a natureza de couro dos sapatos, a ganga das pernas com suas tíbias. Alimentava-se do próprio entardecer, à hora a que os merceeiros despacham a frescura derradeira das últimas tangerinas. Era o entardecer, mas não, Deus, de domingo. O rapaz ouvia o grilo da caixa registadora, os pipis dos pequenos consumos das gentes que vêm entardecer ao bar.
Era a alguma felicidade do rapaz, a música-ambiente inglesa, o azul nos joelhos portugueses sobre que, outrora, outras horas e outras mãos poisado haviam. O rapaz na luta pela vida, a que se garante de pronto ao primeiro berro obstetrício. Era o rapaz na função maravilhosa da felicidade.
Muito existia tudo em torno, dentro. Colecções de romances policiais, cadáveres ricos agora pobres de tão mortos em chãos de bibliotecas fornidas de clássicos ingleses e bandejas argênteas de whisky, soda e água cevada.
Muita televisão.
Pouca vida.
Tanta felicidade.
Pombal, 2 de Fevereiro de 2005
4 comentários:
Muito existia tudo em torno, dentro
Se isto não é Beckett, macacos me mordam...
Quem dera que fosse. Mas não.
Mas que lembra, lembra.
Mas quem dera que fosse, dera.
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