10/06/2005

Cinco Contos de Natal

Perguntaram-me se eu poderia escrever um conto de Natal. Respondi que sim. Afinal, não posso. Só posso escrever cinco contos de Natal. Eles aqui estão.

1.Galiano é o nome do homem que entra na loja de ferragens. Bem vestido, dedos das mãos revestidos de anéis de ouro largos como manilhas, toque de água-de-colónia no lóbulo, Galiano pergunta ao caixeiro se tem alicates. O caixeiro responde que sim. E pergunta que tipo de alicate será o pretendido por Vossa Excelência. Galiano responde que qualquer tipo dará perfeitamente. “Qualquer um dá, diz Vossa Excelência?”, estranha, mas sempre com humílima cortesia, o caixeiro. “Qualquer um dará”, diz, corrigindo o tempo do verbo, Galiano. O caixeiro sobe a um escadote, escolhe um espécime, desce o escadote e propõe a ferramenta a Galiano. Este aceita, puxa da carteira feita de pele de um animal já extinto, paga, diz Bom Natal com música de Boa Tarde e sai. O caixeiro responde para as costas que se afastam: “Igualmente para Vossa Excelência e para a santa família de Vossa Excelência”.

2. Galiano é também o nome do rapaz brasileiro que professa dança-jazz no salão do Clube Típico Peregrinos de Belém. Parece 22, 23 anos, mas tem 44 feitos e perfeitos caninos de marfim, para além de um bronzeado perpétuo e um ar acabadinho de filho de doutor da telenovela das sete. Galiano acha estranho que o Natal seja tempo de frio. De onde ele veio, o calor do trópico, nesta quadra, pulsa reverberações de vidro a um palmo do nariz. Daí que as sessões dele, por razões de exílio meteorológico, sejam as mais animadas, as mais puladas, as mais ritmadas, as mais ofegadas: para aquecer, ele dá tudo o que tem. E exige que lhe retribuam. As pobres divorciadas, de caneleiras de lã e justinhos de licra, retribuem animadamente, puladamente, ritmadamente e muito ofegantemente: Galiano é lindo, moreno vitalício, sesta de coqueiro, dengo de até mais não. Natividade, 51 anos, contabilista da Ferragens Aníbal & Sobrinho, acha que sim. E vai para casa a pensar nisso. Mas não sem antes desejar. Deseja: “Bom Natal, Galiano”. E Galiano: “Como bom, com este frio de ‘ráchá’?”.

3. O polícia Sarmento não se chama Galiano. Chama-se Sarmento. Pior que chamar-se Sarmento, só ficar de ronda na Véspera do Menino. Sarmento sopra nos dedos, rabuja solilóquios, pisca uma pestana triste à visão das iluminações natalícias que o município alugou. Mas ronda. Profissional, Sarmento ronda. Frio e humidade são o casal que acolhe o polícia Sarmento na Noite Feliz dos outros. “O pior”, resmunga Sarmento, “é que hoje até os ladrões comem o bacalhau em sossego”. Rondando por praças e avenidas, gozado pelo calor frio das montras comerciais, o guarda lamenta, pela milhãonésima vez na vida, não ter ido para arquitecto ou emigrante no Luxemburgo. Sarmento suspira: “E arquitecto no próprio Luxemburgo? Isso é que havia de ser Natal todos os dias!”. Mas Natal não é todos os dias. É uma vez por ano. “E de noite”, bafeja Sarmento.

4. Sarmento é também o nome do ex-marido de Natividade. Sarmento é arquitecto em Turim, Itália. Tem 60 anos, um salário de Natal-é-quando-o-cartão-de-crédito-quiser. Vive num apartamento de paredes de vidro com uma rapariga da Lombardia que veio para estudar Arquitectura e ainda não estudou. O arquitecto Sarmento paga sem falhar, de semestre a semestre, a caríssima hospedagem do filho num CAT holandês de nome esquisito, qualquer coisa Peregrinos de Nazaré, ou Belém, ou Ur, ou Galileia, uma coisa assim. A rapariga de Sarmento chama-se (como é que se chama a rapariga de Sarmento?), sim, chama-se Bruna, mas só tem a ver com esta história porque Sarmento, que viu o Planeta dos Homens, lhe chama Bruna Lombardi e desata-se a rir, Bruna não sabe porquê. O arquitecto fez o seu Maiozinho de 68, mas do lado da pastelaria, nada de confusões. Foi revolucionário em 74, claro, mas de centro-direita, zona a que as revoluções, como rios tristes, acabam por ir desaguar. No fundo, Sarmento não tem nada a ver com isto. Foi para Itália logo que pôde. E lá está e lá fica, excepto no Natal, que passa sempre no Rio.

5. Um moço de magreza mata-ratos entra na Ferragens Aníbal & Sobrinho. Expirando na loja o vapor da rua, o moço dirige-se ao caixeiro: “O meu tio deixou algum recado para mim?”. O caixeiro responde que não, que o Senhor Aníbal só veio de manhã com recado de não voltar de tarde. O mata-ratos diz: “Então, sendo horas, fecha a caixa e vai para casa. E já agora, Bom Natal.”, diz, saindo para o gelo, Sobrinho. O caixeiro sai do balcão, grita para fora “Bom Natal para si também, Menino”, tranca a porta e acende o primeiro cigarro da tarde. Mas já é de noite. O caixeiro toma nota das reposições a fazer dia 26: fechaduras Baltazar, parafusos Gaspar e alicates Melchior. Já na rua, decide ir bomnatalar Pedro ao tasco do próprio. Pelo caminho, encontra o polícia Sarmento. Oferece-lhe uma bebida. Sarmento aceita. Entram no bar. “Olha quem eles são”, recebe-os Pedro. “Bom Natal, Pedro e Sarmento”, diz, saudando de copo, o caixeiro. “Bom Natal, José”, diz o polícia. “E para a tua Maria também”, diz Pedro.

2 comentários:

Alexandra disse...

Que coisa mal escrita. Credo!

SDF disse...

... Por acaso até achei muito bem escrita!

Mas pronto, a escrita do D. é como as cores: Que seria do laranja se todos gostassem do amarelo?? ;-)

Canzoada Assaltante