Atreito a belos gestos, o Adriças
trouxe à paródia vinho do maduro.
VI
Débora Fernandes passa a ferro para fora.
Sempre é um trabalho limpo, na verdade.
Já lavou escadas, mas era então nova.
Nova já não é, tem os sessenta à porta.
Tem freguesas fixas, pagam ao contado.
Os tostões dão para uma decência frugal.
O mesmo é dizer que para uma frugalidade decente.
Já foi mais a excursões, não tanto agora.
Chegou a conhecer Badajoz, comprou caramelos.
O Fernando Carteiro, reformado & viúvo, chamou-a.
Fernando é um homem decente & sem meias-palavras.
Propôs-lhe juntarem-se, partilharem a velhice.
Ela ficou de pensar no assunto.
Até hoje, não respondeu ao senhor.
Fernando Alves, carteiro toda a vida adulta.
Razoavelmente reformado, sem aflições.
Passou as-do-Algarve com a doença da mulher.
Saudade Alves era neurodegenerativa.
Definhou sem pressa, um soneto de anos demorou a finar-se.
Não merecia, nenhum dos esposos, tal provação.
Ele assistiu-a sempre – e sempre na mor dignidade.
O enterro foi a uma segunda-feira vencida pela chuva.
O padre, alérgico a água, mais resmungou do que sacramentou.
Foi tudo adequadamente triste.
Germana, filha do casal, atrasou-se.
Apareceu afinal loira, esfregada a água-oxigenada.
Trazia a tiracolo o terceiro marido.
Fernando Alves, a pensar em Débora, suspirou.
VII
Atreito a belos gestos, o Adriças
trouxe à paródia vinho do maduro.
Nabos, nabiças & outras hortaliças
trouxe consigo o bom do Zé Seguro.
Desta vez não se esqueceu das chouriças
o João, coração mole & olhar duro.
Sob o alpendre era já posta a mesa.
Serviu-nos branco frio o bom anfitrião.
Às fatias eram presunto & melão.
O instante vinha dotado de pureza.
Queijo de cabra d’áspera natureza.
E à cautela ’ind’outro garrafão.
Do rio o peixinho refritado,
do mar a gamba gorda d’insolente.
Broa d’um amarelo refulgente
co’ a banha do toucinho mesm’ ao lado.
Devorar não precisa de recado,
moderado foi o beber da gente.
Fora, a noite vinha aos passinhos mansos.
Ao canto o senhorio riscou lume.
Veio então o filho dos manipansos:
leitão dourado lindo, que é costume
paparmos sempre que vimos a Anços
& q’até à Mafalda faz ciúme.
À hora do café com aguardente
(de cafeteira & de alambique),
veio bolo-de-passas muito chique
& leite-creme p’r’adoçar o dente.
Falou-se da guerra em Moçambique
na qual cada um de nós foi servente.
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