20/01/2021

VinteVinte - 204 (IV)


 Paulo Pratas, de Banhos Secos,
era o afortunado chapeleiro
do londrino & abastado bairro chamado Belgravia



    IV


    Daqui radiaram ao mundo alguns trabalhos. Refiro-me a acontecimentos de que sobram (& obram) testemunhos legíveis. Trato de alguns com alguma recorrência. Quanto digo trato, digo estudo. E não me fico, por mores exemplos, por Camilo Pessanha ou José Afonso. Ele há mais eles. João Manoel, um. 
    João Manoel nasceu no Beco das Cruzes, ali ao sopé das do Quebra-Costas. Ano? Penso (não pude apurá-lo para além de razoável dúvida) que por volta de 1927. Filho-único de mãe-solteira, era pois ilegítimo – o arquetípico filho-de-puta, por mais inocente. Foi duro anátema. Teria sido padre católico por desejo expresso da mãe – não o foi porque fugiu do seminário no ano-do-Senhor 1940. Fugido andou com sucesso discreto até perfazer 21 anos. Maior enfim, tornou ao Beco das Cruzes. O desgosto matara-lhe a mãe. Ficou a morar no buraco original (sem uterino trocadilho), n.º 2 daquela viela. Empregou-se na Casa das Canetas. Não por muito. Ainda não perfizera trinta anos, partiu de novo. Desta vez, não precisava de sentir-se açodado. Poupara umas notas. Pôs-se em Paris-de-França entremeando comboios com boleias de camião. Fez milhas a pé, também. Lá, arranjou trabalho em halles. Mais dele, sei ainda que se casou com uma belga de Antuérpia. Em 1975, a editora Rumor publicou o título Andança sem Nascente. O autor assinava João Manoel Hilário. Não estou certo de que seja o nosso, digamos, herói. Fiquemo-nos supondo que sim. 
    Paulo Pratas, de Banhos Secos, era o afortunado chapeleiro do londrino & abastado bairro chamado Belgravia. Ali amealhou mui razoável fortuna. Aprendeu o ofício ainda cá, mais precisamente com um mestre da Rua do Brasil, o saudoso senhor Souza Paes. Foi para Londres no exacto dia do seu 25.º aniversário. Quanto a este marco, dúvida hei nenhuma: apanhou o barco na Rocha do Conde de Óbidos na manhã de 10 de Abril de 1962 (terça-feira). Bem-apessoado, de bem clara cute, olhos verdes, não sofreu injúria racial. Mimetizou a fala inglesa sem sobressalto. Foi empregado até estar seguro do ambiente comercial. Então, associou-se a um indiano, abriu loja, prosperou. Nunca regressou a Coimbra. O Paulo Pratas autor de Mendicante Templário (ed. Ulissoa, 1971) não é certamente ele. Não creio que seja ele, digo. Mas se for, apropriado será tirar-lhe o chapéu. 
    Quanto a José Afonso, que até nasceu em Aveiro, e a Camilo Pessanha, é mais fácil apurar pormenores, pelo que mais V. não afadigo por ora. 




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