18/01/2021

VinteVinte - (e vão) 200




200.


DO LONGE A SUSPEITA INCLEMENTE 

Coimbra, quinta-feira, 26 de Novembro de 2020 (I) 
Coimbra, sexta-feira, 27 de Novembro de 2020 (II) 
Coimbra, sábado, 28 de Novembro de 2020 (III-V)



Combato a intransigência de certo tipo de esquecimento. 
Fio à forma escrita a arma-mor de tal combate. 
Não cedo a imediatismos podres já ao nascimento. 
Cada linha, cada sino redobrado a rebate. 
Pouquíssimos acudirão à partilha de lembrança. 
Nem tudo é gado resignado à ordem do abate. 
Nem tudo é créu lugar-comum da vã esperança. 
É vero ser maioria a massa, que não presta. 
Perder tempo com ela? Já mal chega, que bem cansa. 
Há muito p’ra quem velório faz de festa. 
Desprezar tem sua arte, que aliás a vida apura. 
Basta um pouco de miolo, ’trás de dois de testa. 
Nem a vida tem remédio, nem tem a morte cura. 

II 

Inumaram Diego Maradona junto aos pais dele. 
Aqui na aldeia sentíamo-lo como um de nós. 
Não é que fosse bem verdade, mas consola iludirmo-nos. 
Nem sempre, enfim, mas às vezes sim, consola. 
Penso nele como poeta épico 
(ele poeta épico, não eu). 
Quando ele – quase sozinho, foi campeão do mundo, 
eu estava de luto por um Irmão há um mês apenas. 
Vendo o Argentino, senti essa impiedade chamada alegria. 
Ainda a sinto, apesar de tudo – a começar pela morte. 

    (...)


    IV 

    Carroça, cavalo, homem, senda de bosque. Já o Inverno dá de si sinais. Boa carga de lenha a caminho do freguês. Já não é longe. O carroceiro conta estar de volta a casa antes de almoço. O seu é um trabalho limpo, regular, decente. O cavalo é bem tratado. O preço do produto é justo, o do porte também. Por aqui, o sentido de aventura está no ir-vivendo. Assim o sentido da lenha é ir-ardendo. 


Esta pessoa em seu habitáculo, completando o próprio dia 
mercê de afazeres dotados de uma pelo menos mínima lógica, 
como a de, chegando da rua, separar & distribuir as compras, 
pragmática que lhe não recusa certa satisfação utilitária, 
arroz-massas-enlatados-chás-farinhas-bolachas-azeite, 
prateleiras que ordenam um micromundo auto-suficiente, 
de cima pingando a lâmpada já mortiça, há que mudá-la, 
na cozinha a parafernália restringida ao essencial, 
água & gás & luz da rede, esquentador automatizado, 
marquise delimitando miradouro aliás aprazível, 
ao longe os campos polvilhados de casaria, viadutos, chaminés, 
mais ao longe do longe a suspeita inclemente do ocean’atlântico, 
aqui uma gaveta há que a bacalhau só é dedicada.


Sem comentários:

Canzoada Assaltante