189.
CONTA DA PRÓPRIA LUZ
&
À FLOR DAS HORAS INUMERÁVEIS
Coimbra, quinta-feira, 12 de Novembro de 2020
[I]
[Escrita, a voz torna-se História.
A pessoa dessa escrita (à feiticeiro-de-oz) alastra por as pessoas-em-leitura.
Este fascínio é novidade perpétua.
Sabe-se que Sófocles ou Rilke mortos – deveras? Não. Édipo & Malte são voz de vozes, alastram, vigoram & vicejam.
Daí que V. tenha sido, ontem, dito:
Jorge Américo Dourado.
António Chana Lourenço.
etc.]
II
Em apeadeiros ferroviários, aqueles relógios arredondando o Tempo. Em trânsito, o olhar adquire planos desses mundos falsamente quietos. O cego da Rua dos Sapateiros vem & vai de comboio. Cumpre a sua condição penitenciária – por que crime, ninguém sabe, a começar por ele. Derredor, vielas apodrecem sem clemência. Em transumância, hordas cumprem, elas também, vitalícias penas. Documentos guardam o relicário pobre destas vidas. Toponímia, ajardinamentos, aludes, súbitas alvarelhas de alegria pura até. (Alvarelha, aberta de bom-tempo em meio à tormenta.)
Dever de comida todos os dias. Sentimento da punição injusta. Sem-sentido da condição lúcida. Gravidade perigosa da poesia, também. (A boa, não a outra.) O que se vai sabendo, relacionando, cotejando, classificando. Nos tais apeadeiros, a eternidade espúria, ilusão tremenda, quem nos leva a ver o mar?
(III)
(Acaba sendo sórdida. Tanta-coisa-tanta-coisa e acaba em sordidez. Quem a ouviu falar, assim tão expedita, tão deix’andar – quem a não conhecer, que a compre, disse o néscio ao vero burro.)
IV
Tornamo-nos lendários.
Fantasmamo-nos um pouco.
Dissipamo-nos sem cura.
Vai, quem pode, às compras.
Reproduzimo-nos em alienação.
Cavalheiro alto vestido de lavado.
Rapariga citrina da estação-de-serviço.
Vamos, sendo-a, pela sombra.
Quantos não chegam a Camões.
Que te leva à sisudez?
A perder, mais se aprende.
Tome-se conta da própria luz.
Jaime Tomás, Bela Cerqueira.
Ele, de pai desaparecido no mar.
Ela, de mãe fugida à fome.
Quem lhes faria algum verso?
Velhas com roseira à porta.
Chá com a senhora Júlia.
Omelete de pata com o senhor Dalot.
Segurança blindada, então-me - & lendária.
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