19/01/2021

VinteVinte - 201

© MIKE GOLDWATER

King’s Cross (London Underground, 1972)


201.

 MAIS UMA REPORTAGEM SUMÁRIA

Coimbra, domingo, 29 de Novembro de 2020



    I

    Geral paralisia transitária no País. Circulação mais do que condicionada nas redes interconcelhias. Vêm aí os dois primeiros feriados de Dezembro. Ubíqua insatisfação dos agentes económicos. Os restaurantes ganem, chiam, cainham & ladram: greve-de-fome da restauração em frente a São Bento. Esta prolongada (a)normalidade não se restringe a Portugal, claro que não. Era isto o futuro, afinal.
    Em França, manif-balbúrdia em furor. O comércio dito não-essencial, todavia, pode reabrir-se ao domingo. Aparece um cabeleireiro português ali radicado – mas o sector da restauração só pode servir para levar. Os números pandémicos franceses são bem piores do que os nossos. A Alemanha também não se ri.
    Para além da viral, a outra febre (a consumista-natalícia) também arde. O rebanho quer lojas, quer o cristo-de-plástico, o pai-natal-coca-cola. Ainda por cima, o Sporting está líder isolado do campeonato. Era isto, afinal, o futuro.

II

Rostos anosos surgem filmados em reportagens sumárias.
Armazenados por grosso em capoeiras caríssimas, os velhos.
Pasmam & babam-se, esperam o nada que vem nos evangelhos.
Incómodas gastas excedentes humanas insanas alimárias.

Ceva-se neles, furioso, o vírus da lande asiática.
O Estado poupa nas pensões que deixa de pagar.
Hoje, a deusa é a Economia, a de fria matemática.
Danosos, os anosos-idosos dissipam-se no ar.

    (III)

    (Razões próprias levam-me pela mão a meu, por assim chamar-lhe, moinho. São motes persistentes, fundos se não fundamentados. Este livro-diário torna tais razões razoavelmente legíveis, quando & quanto mais não fosse por dura, sua, recorrência.)

IV

Lia Lovecraft no alpendre dos avós.
Era um mar doméstico, o campo de milho em frente.
No Verão, chá gelado; no Inverno, chá quente.
Depois, os avós morreram, dois meses os apartaram.
Ele herdou a casa & o campo, continuou no alpendre.
Ali leu O. Henry, Henry James, Wodehouse, Saki. 
Arrendou o milhal a vizinhos da quinta mais cercã. 
Continuou sócio-correspondente da academia. 
Depois morreu, deixou tudo ao neto.
O tudo incluía os livros lidos – mas a leitura não é herdável.


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Canzoada Assaltante