IV
Auvers-sur-Oise ao sol febril.
Homem entre verdes tão verdes, que azuis são.
É duro estar vivo em constante ruminação.
Tanto isto pode ser sonho como Abril.
Tomemos absinto olhando o jogo de bilhar.
Vivamos pobre mas não miseravelmente.
Vi ontem uns sapatos que pretendo comprar.
Corto no tabaco até ajuntar o suficiente.
O pobre V. está quase louco em seu casebre.
Estas árvores ramalham enigmas inconfessáveis.
Levemos-lhe um caldo de couve com lebre.
Ele tem tido períodos mansos & amáveis.
O velho carteiro é homem de sensibilidade.
Aprendeu a calar-se, lobo previdente.
Socorre uma irmã, farrapo de gente.
Só em casa bebe, evita a publicidade.
Quase o arrastou à cova a morte d’um irmão.
Foi alfim recompondo os bocados de si.
Aposentou-se o velhote, já se não vê por aqui.
Esperemos que lhe dure paz a aposentação.
À sombra do moinho, a cabra mansa.
À janela da pensão, a gaiata rapariga.
Telas profundas, que só a morte alcança.
Ouro perpendicular, o caule sobe à espiga.
V. nasceu depois do primeiro, um nado-morto.
Achou sempre que por tal o culpavam.
Nem perdão lhe pediam, nem desculpa lhe davam.
Dizia-se ao espelho: Conheces a dor, conheces a dor tu?
Revoluteiam as estrelas ao frio panglacial.
Há lenha seca rachada no velho celeiro.
Não vás ao Café! Ou então come primeiro!
Amanhã ’inda talvez te chegue um postal.
O Père T. cuidou de V. como pôde & sabia.
A solidão é pedra, não há água que a fure.
A obra sobreviva ao corpo que não dure.
Paris também morre ao gume da mouraria.
Mulheres ermas, canteiros de homem nenhum.
Estéreis como areais, daninhas, rancorosas.
Mais cuidam de estrume do que cuidam de rosas.
V. delas fugiu, nem se despediu, deixou recado a um
outro inquilino, G., seboso & franzino
que lhe comprava pão, tabaco & selos.
Só G. deu a V. instantes singelos,
desses que perduram da era de menino.
Só a indiferença é fiel, tal o esquecimento.
Surpreendido no campo pela tempestade,
reconheceu na Natura a única potestade:
e sem Deus volveu à pensão em moroso andamento.
O corvo ominoso é sombra de si duas vezes.
V. passara por Arles, ainda se não perdera.
Sonhava a pedaços com ilustradores japoneses.
Até lograr reacender a luz (de) que se desespera.
O homem de casaco amarelo faz perguntas na vila.
Quererá fulano o quê por estas cercanias?
Não tem ar de crente, por aqui anda há dias.
Melhor fôra que se fôra, às costas a mochila.
Velejemos conversando, amigo M., naveguemos.
Veremos se chove hoje ainda p’lo entardenoitecer.
Colhamos papoilas, dessas que já lemos
nos bucolizantes capazes de nos enternecer.
O senhor R. trovejava peidos contra os artistas.
Alvar cavalgadura, o ruim vil boticário.
Gólgota fez à mulher em um vero calvário.
Mas também já lá mora, já de bem murchas cristas.
Alguma coisa desfez de vez a derradeira harmonia.
Encerrou-se no quarto, não deu mais sinal.
Soube-se já ia adiantada a luz do novo dia.
Fez-se peditório para as custas do funeral.
Foi J. a dar-nos, tremendo, a má-nova.
Tu desataste a chorar – e eu a escrever esta trova.
Não mais por ele receemos, a paz envolveu-o.
O que sentiu, pintou. O que não, escreveu-o.
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