IV
Ouvi dizer que vais a Inglaterra.
Inglaterra não, Escócia.
É praticamente o mesmo.
Praticament’-o-mesm’-uma-porra.
Modo de falar.
Mal falado, Escócia é Escócia.
E que te leva lá? Uma gaja?
Olha quem… Trabalho.
Camionagem?
Camionagem.
Diz q’aquilo é bonito por lá.
Diz que sim, ’inda não vi.
Diz que as cidades são violentas.
Ouvi dizer.
Vai com cuidado.
Hei-de ir & voltar.
Alguém tem de fazer alguma coisa.
A quem o dizes.
Já penaste a tua parte.
Demasiado tempo parado.
Eu sei, eu sei, não merecias.
Já lá vai.
Pensares assim é positivo.
Não sou d’olhar p’a trás.
Acho que fazes bem.
Não m’adiantava nada.
Fazes bem.
Quem te disse que eu ia?
Quem? O Ramiro, foi o Ramiro.
Esse faz mais suécias, noruegas & tal.
Há muito’ ano’!
Ah pois, é velhinho na estrada.
Tem feito vida.
Lá isso tem.
Tem cada um de fazer por si.
Ora nem mais.
Não é com poesias q’isto lá vai.
Nunca foi.
Nem há-de ir.
Mas e se vier?
Que venha.
V
Aproveita a casa, sabendo.
Mais horas são possíveis.
Apressar de nada vale.
Atrasar, também não.
Que tem importância?
Depende de quem avalia.
Não do avaliado?
Não do avaliado.
A indiferença é objectiva.
O sujeito padece subjectividade.
Ir sabendo, estudar sempre.
Pouco a partilhar, anota.
O que interessa dentro, fica.
Fora, não sabes, não sabes.
Sabes o que nos espera.
A todos, o que nos espera.
O teu trabalho és tu.
Sem aplauso, sem vaia.
Desde sempre soubeste.
Sim, desde sempre.
É isto o teu afazer.
Desde sempre soube,
Escreviver o máximo.
Sair cedo da cama.
Começar logo a dar-lhe.
Casas, pátios, hortas.
Vias, veias, idas.
Retornos à base.
Areal, macadame.
Experimentar, descer.
Usar, subir.
Cifrar para meia-dúzia.
Ler sempre bem, vagar.
Merecer cada página.
Como o Outono, sabes?
Merecer cada folha.
Não iludas.
Não te iludas.
Quem quiser, nada teu.
Problema nenhum teu.
O teu é só teu, escreve.
VI
Não vi hoje o melro.
Levantei-me cedo.
A hora de inverno
é do dia a nova.
Cedo esmorece
o ser dominical.
Mas faz nenhum mal,
outro aparece.
Senhora ministra,
números diga cá
da morte sinistra
pá-tá-rá-tá-tá.
Em abertos campos
grassa a invernia.
Desfaz-se o dia
na noite dos tempos.
Não se ouve o sino.
Nada vem de outiva.
Força do destino,
a morte está viva.
Portão oxidado
range por ninguém.
Ninguém mora ao lado
que ainda tenha mãe.
Vi mui poucas pombas.
A chuva as varreu.
Mas o pão que atirei,
alguém o comeu.
Segue insano o mundo,
que remédio não tem.
Segue para o fundo,
pois que lhe faça bem.
Andei aos papéis
feito oficinal.
Vou no texto VI
etc. & tal.
Amanhã, segunda,
se à manhã chegar,
não darei por finda
a escrita que vier.
Não vi hoje o melro.
VII
Dois netos do velho Germano pescam nos canais do quadrante-oeste. À vinda para casa, passam por casa do avô, dão-lhe uma porção do peixe fresco. Germano gosta muito do gesto, assim como aprecia fritar o pescado para si & para a sua velha Clementina. Os netos, Luís & João, são bons rapazes. Tementes – mas não demasiado – a Deus; saudáveis como maçãs novas que o bicho não toca; exímios trabalhadores: Luís, carpinteiro; João, operador de catrapilos, Germano & Clementina são avós dos rapazes pela mãe, Olga. O pai é Samuel. Luís pensava casar-se este Agosto, mas o vírus-chinoca estragou tudo. João também namora, mas ainda não está para aí virado. Entretanto, trabalham no duro & vão à pesca sempre que podem. Como são moços, podem muito.
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