02/01/2021

VinteVinte - 173 (conclusão: IV-VII)


IV

Ouvi dizer que vais a Inglaterra. 
Inglaterra não, Escócia. 
É praticamente o mesmo. 
Praticament’-o-mesm’-uma-porra. 
Modo de falar. 
Mal falado, Escócia é Escócia. 
E que te leva lá? Uma gaja? 
Olha quem… Trabalho. 
Camionagem? 
Camionagem. 
Diz q’aquilo é bonito por lá. 
Diz que sim, ’inda não vi. 
Diz que as cidades são violentas. 
Ouvi dizer. 
Vai com cuidado. 
Hei-de ir & voltar. 
Alguém tem de fazer alguma coisa. 
A quem o dizes. 
Já penaste a tua parte. 
Demasiado tempo parado. 
Eu sei, eu sei, não merecias. 
Já lá vai. 
Pensares assim é positivo. 
Não sou d’olhar p’a trás. 
Acho que fazes bem. 
Não m’adiantava nada. 
Fazes bem. 
Quem te disse que eu ia? 
Quem? O Ramiro, foi o Ramiro. 
Esse faz mais suécias, noruegas & tal. 
Há muito’ ano’! 
Ah pois, é velhinho na estrada. 
Tem feito vida. 
Lá isso tem. 
Tem cada um de fazer por si. 
Ora nem mais. 
Não é com poesias q’isto lá vai. 
Nunca foi. 
Nem há-de ir. 
Mas e se vier? 
Que venha. 


Aproveita a casa, sabendo. 
Mais horas são possíveis. 
Apressar de nada vale. 
Atrasar, também não. 
Que tem importância? 
Depende de quem avalia. 
Não do avaliado? 
Não do avaliado. 
A indiferença é objectiva. 
O sujeito padece subjectividade. 
Ir sabendo, estudar sempre. 
Pouco a partilhar, anota. 
O que interessa dentro, fica. 
Fora, não sabes, não sabes. 
Sabes o que nos espera. 
A todos, o que nos espera. 
O teu trabalho és tu. 
Sem aplauso, sem vaia. 
Desde sempre soubeste. 
Sim, desde sempre. 
É isto o teu afazer. 
Desde sempre soube, 
Escreviver o máximo. 
Sair cedo da cama. 
Começar logo a dar-lhe. 
Casas, pátios, hortas. 
Vias, veias, idas. 
Retornos à base. 
Areal, macadame. 
Experimentar, descer. 
Usar, subir. 
Cifrar para meia-dúzia. 
Ler sempre bem, vagar. 
Merecer cada página. 
Como o Outono, sabes? 
Merecer cada folha. 
Não iludas. 
Não te iludas. 
Quem quiser, nada teu. 
Problema nenhum teu. 
O teu é só teu, escreve. 

VI 

Não vi hoje o melro. 
Levantei-me cedo. 
A hora de inverno 
é do dia a nova. 
Cedo esmorece 
o ser dominical. 
Mas faz nenhum mal, 
outro aparece. 
Senhora ministra, 
números diga cá 
da morte sinistra 
pá-tá-rá-tá-tá. 
Em abertos campos 
grassa a invernia. 
Desfaz-se o dia 
na noite dos tempos. 
Não se ouve o sino. 
Nada vem de outiva. 
Força do destino, 
a morte está viva. 
Portão oxidado 
range por ninguém. 
Ninguém mora ao lado 
que ainda tenha mãe. 
Vi mui poucas pombas. 
A chuva as varreu. 
Mas o pão que atirei, 
alguém o comeu. 
Segue insano o mundo, 
que remédio não tem. 
Segue para o fundo, 
pois que lhe faça bem. 
Andei aos papéis 
feito oficinal. 
Vou no texto VI 
etc. & tal. 
Amanhã, segunda, 
se à manhã chegar, 
não darei por finda 
a escrita que vier. 
Não vi hoje o melro. 

    VII 

    Dois netos do velho Germano pescam nos canais do quadrante-oeste. À vinda para casa, passam por casa do avô, dão-lhe uma porção do peixe fresco. Germano gosta muito do gesto, assim como aprecia fritar o pescado para si & para a sua velha Clementina. Os netos, Luís & João, são bons rapazes. Tementes – mas não demasiado – a Deus; saudáveis como maçãs novas que o bicho não toca; exímios trabalhadores: Luís, carpinteiro; João, operador de catrapilos, Germano & Clementina são avós dos rapazes pela mãe, Olga. O pai é Samuel. Luís pensava casar-se este Agosto, mas o vírus-chinoca estragou tudo. João também namora, mas ainda não está para aí virado. Entretanto, trabalham no duro & vão à pesca sempre que podem. Como são moços, podem muito. 




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Canzoada Assaltante