A luz de Lisboa merece bem a luz que lhe dão
IV
Jantei em Benfica no Inverno de 1995.
Era fria a noite, mas não hostil.
Caminhei muito, rondei o cemitério.
Vi, a alta janela, bonitos olhos de senhora.
Caminhei mais, escolhi casa-de-pasto.
Era boa & de preço justo a comida do dia.
Havia multitudinária freguesia: tv-futebol.
Partilhei economato de mesa com estranhos.
Aquilo não era Coimbra, mas fingi que sim.
Paguei o justo, saí para a noite capital.
Dali à Alameda não era assim tão perto.
Cheguei ao meu quarto já tardote.
Já dormiam os demais hóspedes da dona Rosa.
O meu aposento tinha suficiência.
Li poesia alheia até se me melarem as vistas.
Tinha livre a manhã seguinte, aproveitei-a.
Despertando cedo, cedo saí à Cidade.
Do Bairro dos Actores passei à Almirante Reis.
Desjejuei em uma pastelaria sem pergaminhos.
Flecti pela Pascoal de Melo, logrei a Estefânia.
Tinha comigo um policial da Vampiro
& um título maior de H.H.:
A Cabeça entre as Mãos.
Olhei de baixo o andar-natal de Luiz Pacheco.
Recordo como luminosa essa matina indolor.
A luz de Lisboa merece bem a luz que lhe dão.
Almocei bifanas na fronteira Restauradores/Rossio.
Torneei o D.ª Maria II, subi as de Santo Antão.
Abanquei para café na de S. José.
Fui-me então ao trabalho, que duro não era nem de mau pré.
Um quarto-de-século passado, pouco mais ou menos, de então.
Nada fiquei a dever à dona Rosa.
Nem a Lisboa, que também nada me deve.
V
Tempo houve em que casa-trabalho-trabalho-casa m’implicava ferrovia.
Sempre gostei da filosofia ferroviária de cariz obrigativo.
Muitos (tantos!) anos depois de ter sido esse vivo,
só raro ora subo a comboio, p’ra minha desalegria.
Naquele tempo, eu estalava de juventude física invencível.
Trabalhava, é certo, em profissão sem fé nem porvir.
Ia-me a ela pela simples razão de ter d’ir.
Mas o resto era de comboio, portanto belo & aprazível.
(VI)
(Livrei-me muito a tempo de cancerígena gentalha.
Não cedo porém aprendi a livrar-me.
Certa noite, acordei de boca a saber-me a palha.
Deixei de ser burro, de ao espelho zurrar-me.)
VII
Sei de gentis formosas raparigas esvoaçando a branco
por a beira-atlântica avenida plasmada a azul
que mostrava a norte o porvir & o futuro a sul.
Eu sentava-me ajardinado em do parque aquele banco
& regaladamente mirava a fátua claridade em passagem.
É a essa precisa visão que ora dou seis versos de imagem.
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