22/01/2021

VinteVinte - 212 (conclusão: IX & X)


Deveio ilegível o que os doidos escreveram nos muros.


IX


Silhueta de fábrica dominando o horizonte mediato. 
Extensões que já foram de culto agrícola, há anos que não já. 
Tal como a memória, também por aqui fumegam pântanos. 
De longe em longe, uma baiúca gasolineira com bufete. 
Os seres vão sendo substituídos por outros nomes-seres. 
Desde que o além permaneça terreno, tudo bem afinal. 

Dois homens trabalhando juntos com objectivos afins. 
Casados com irmãs, já há muito se tratam como manos. 
Seguem de carro rumo a uma obra em progresso. 
São eles quem dirige os trabalhos e paga aos operários. 
A empresa foi montada pelo sogro, já defunto. 
Os dois trabalhavam para ele desde rapazes. 

Ali são as ruínas do hospicio que aprisionava doidinhos. 
Muito poucos eram perigosos, o mais era de mansos alienados. 
Silveiras & festões de canas juncam os destroços. 
Enfermarias, copas, consultórios, algumas celas gradeadas. 
Lagartixas cavalgam seringas que a ferrugem fossilizou. 
Deveio ilegível o que os doidos escreveram nos muros. 

Acontece o mesmo a muita literatura. 

    

    Acontece abrir-se acesso ao interior de pensamento alheio. Quando tal, é momento de bom preço. A relação entre mentes compensa a natural ignorância. Em solidão, o labor é contínuo – em relação, é pontual. De qualquer modo, aí estamos ainda. 

    Este tem sido dia luminoso. Há azul, amarelo, branco, verde: na paleta que cada janela conforma. As distâncias, aquietadas de mudez, oferecem uma serenidade graciosa. Uma canção de 1971 soou no quarto. O cantor ainda é vivo neste 2020 esquisito que dá de si as últimas. 




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Canzoada Assaltante