Deveio ilegível o que os doidos escreveram nos muros.
IX
Silhueta de fábrica dominando o horizonte mediato.
Extensões que já foram de culto agrícola, há anos que não já.
Tal como a memória, também por aqui fumegam pântanos.
De longe em longe, uma baiúca gasolineira com bufete.
Os seres vão sendo substituídos por outros nomes-seres.
Desde que o além permaneça terreno, tudo bem afinal.
Dois homens trabalhando juntos com objectivos afins.
Casados com irmãs, já há muito se tratam como manos.
Seguem de carro rumo a uma obra em progresso.
São eles quem dirige os trabalhos e paga aos operários.
A empresa foi montada pelo sogro, já defunto.
Os dois trabalhavam para ele desde rapazes.
Ali são as ruínas do hospicio que aprisionava doidinhos.
Muito poucos eram perigosos, o mais era de mansos alienados.
Silveiras & festões de canas juncam os destroços.
Enfermarias, copas, consultórios, algumas celas gradeadas.
Lagartixas cavalgam seringas que a ferrugem fossilizou.
Deveio ilegível o que os doidos escreveram nos muros.
Acontece o mesmo a muita literatura.
X
Acontece abrir-se acesso ao interior de pensamento alheio. Quando tal, é momento de bom preço. A relação entre mentes compensa a natural ignorância. Em solidão, o labor é contínuo – em relação, é pontual. De qualquer modo, aí estamos ainda.
Este tem sido dia luminoso. Há azul, amarelo, branco, verde: na paleta que cada janela conforma. As distâncias, aquietadas de mudez, oferecem uma serenidade graciosa. Uma canção de 1971 soou no quarto. O cantor ainda é vivo neste 2020 esquisito que dá de si as últimas.
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