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(VII)
(Cama feita, louça lavada – casa governada.)
VIII
Talvez haja gente que se não ache sozinha.
Não sei.
Tenho-Vos dito que sei muito pouco do muito que aprendo.
A espaços, visito sítios – uns mais interiores, outros mais democráticos.
Volto-me na luz, identifico o patriotismo de algumas sombras.
Os anos mais recentes têm-me ajudado muito, admito-o bem.
À flor das horas inumeráveis, pequenos-traficantes.
Rapazes envelhecidos & em queda como folhas outonais.
Cirandam escuramente, catam moedas, famélicos esqueletos.
Visto Arnado, Terreiro da Erva, Bota Abaixo, Portagem.
Volto-me na sombra, reconheço a nação das águas-flúvias.
Este falar-a-sós não ameaça nem a ordem nem o sossego públicos.
Também home’zitos pandorgas, ao pórtico da taberna, filosofam.
Rondam aves magras, as mulheres-de-aluguer, circunscrições.
Fazem a recruta da mor miséria aos trambolhões.
Ainda assim, há ainda quem se procure melhores horas.
Chegam pelo entardenoitecer, acampam nos restaurantes.
Vão a apresentações de livros, a concertos privados, a colóquios raros.
Deles não vem mal ao mundo, são discretamente irrelevantes.
Mantêm neutras carreiras, uma vida a água-&-bolachas-de-sal.
Não triunfam nem se humilham, têm casa no campo.
Também os cães evangélicos ladram com sotaque em salões.
É o apostolado do Senhor-ao-Dízimo, fraude legalizada, cifrão do Céu.
Atravessam, impunes, o Atlântico para parasitar o pagode créu.
Vou à Casa Fernandes, ao Supermercado Colmeia, ao Turíbio de Matos?
Não vou só porque não posso, não posso porque os não há já.
Nem os rapazes conversam já à esquina Donato/Santiago.
IX
Viajam na noite. Trilho de longa duração, já alta a manhã quando chegarem. Não os move qualquer pressa. Vão conversando entre pausas pensativas. Param na terceira estação-de-serviço, tomam café, comem um bolo, trocam de lugar no carro. A Lua não está de serviço esta noite. Nota-se que lá fora o mundo tem frio. Mais inteiriço o arvoredo, nenhum vento o perturba. O agora navegador liga o rádio. Voltam a para cento e sessenta quilómetros depois, desta vez num tasco favorito de camionistas. Comem bifanas acabadas de sair da cozinha, pataniscas de bacalhau, bebe laranjada o que vai conduzir durante o último troço, bebe cerveja o do lugar-do-morto, salvo-seja. Oito da manhã, oito e meia. Dez horas menos dez minutos, chegada. O cão sente-os, parece bruxo. Já ladra euforias, as patas no portão. A mãe dos viajantes assoma à porta. Beijos & festas nos rostos. O pai não vem à porta. Nunca mais virá. Por isso vieram eles.
X
Não conteis com quem promete vir.
Contai com quem não promete.
XI
Júlio & Alice, Alice & Júlio – não sei que seja feito deles. Ou desfeito. São muitos anos passados – e, como todos, sem retorno. Vi-os, pela até agora derradeira vez, certa noite acalorada de Julho ou Agosto. Do terreiro da casa miravam o bailarico em curso na praceta da aldeia. Mal me viram, ofereceram-me vinho & bolos. Estivemos juntos um pouco. E foi isso. Desde então, nada. Eles são boa gente comum. Toda a vida naquilo a que se chama limiar-da-pobreza. Têm todavia o seu orgulho. São racionais. Casados há cinquenta anos, pelo menos – não é brincadeira. Lembrei-me hoje deles por ter visto um filme protagonizado por um par romântico muito parecido com eles, achei graça, acho sempre graça a inocuidades destas.
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