© Daniel dos Santos Abrunheiro (1917-1994)
213.
GRACIOSO & ATIRADO
Coimbra, sábado, 26 de Dezembro de
2020
(I)
(Decidi só no próximo ano fazer derivação escrita da figura de Augusto Fillipe Simões, o catedrático-suicida da nossa Universidade. Também em linha por enquanto abstracta me vêm fulgindo ângulos do a-escrever-em-2021. Se eu lá chegar vivo, id est.)
II
Leite solidificado em mármore, ou carne de senhora alva:
visão no sábado cuja manhã entra em crepúsculo.
É perto da porta da mercearia, subindo-se o bairro.
Há muito aqui não mora, tal fresca aparição.
Vem de azul-forte estrelado a espasmos amarelos;
sapatos rasos de pelica oblíqua, castanhos;
casaqueta creme de sólida gola redonda;
carteira de marca, qual não sei, cara decerto.
E eu, que aproveito a máscara para esconder a falta de dentes,
miro (mas sem pasmar, que anoso sou já) a franca beleza
desta burguesa sem bibliografia
que vale o dia.
(III)
(E se senhora branquíssima alguma houver vista sido?
E se a recorrente falsidade da horaciana-arte a mi/s/tificou?
A quem vejo? Ou dou a ver? Ou quem não é? E se não sou?)
IV
Parece que a Millet não gosta de Magritte.
(Digo a, referindo-me a ela, mas d/e, referindo-me ao Artista.)
(Sei bem o que & o como digo.)
V
As aves habituaram-se a receber maná meu, gracioso & atirado.
Temos mantido esse uso, intervalo do que escrevivo.
Sou de minhas fidelidades mesmo volitivo cativo.
Nada me tira – ou diz mal – de tocar o fado.
Não me parece a sério, a senhora que hoje (não) m’apareceu.
E eu aqui de azinheira-portátil à cata de epifanias!
Restam-me, por sms-de-telelé, amigos, que guardo eu,
de mensagens outras, alternadas, de outros dias.
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