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JOHN STEZAKER – Marriage – IV – Out of Focus
(VI)
(Na clausura afinal não penosa, dou corda aos sapatos da efabulação fundada em relances vividos & paravividos. Os clarões eidéticos não escasseiam no organismo tao peculiar da mente – da minha, atenção, como da de toda a gente,.)
VII
Os meus olhos envelheceram mas o olhar teima mundos.
Ainda vejo através, por assim dizer, em demanda de sentido.
É tarefa muitas vezes vã, por não resultar em linha escrita.
De qualquer modo, hei que levá-la a cabo sempre – e sem pausa.
Vejo homens sentados em um muro baixo de pedra adusta & vetusta.
Adunaram-se-me em espécie de gravura recorrente.
O sol queima-os devagar em perpetuidade, eles pairam.
Têm qualquer coisa de menino – mas de corvo também.
O muro defronta o adro da igreja: espera a saída de um funeral.
Vejo gatos de ninguém patrulhando um baldio.
Vivem da fauna que caçam & de esmolas de Mécia, a Solteirona.
Mécia vive na casa rosa com eira por trás do armazém.
É de ignota idade, peito seco, mãos masculinas & viril solidão.
Dizem-na mais rica do que o presidente da junta.
Vejo o par de sapatos por alguém deixado aos pés do contentor.
Há sempre um mal-remediado que passe & aproveite.
É visão que me comove um pouco, olhando os que calço.
Não sabemos deveras o que as gentes passam ao gasto da vida.
Nem de nós-mesmos sabemos propriamente grand’espingarda.
Vê-s’através.
VIII
Remediação interior é apanágio do carácter.
Vai-se adquirindo saber na consumação da passagem.
Quando o fim se anuncia, valem o mesmo saber & não saber.
Antes dele, porém, não é assim; saber, conta – e remedeia.
IX
Em território demarcado pela natureza mesma da Natureza,
há já quarenta anos, vivia uma população restrita.
Era gente de sossegados rituais, contente do pouco que havia.
Dois indivíduos conservavam a memória dinâmica do lôgo.
Os demais amanhavam o campo, reparavam os estragos,
acumulavam os víveres comunitários, vigiavam o tempo.
As incursões ao exterior eram escrupulosamente planeadas.
A aceitação de visitantes dependia de minúcias indeclináveis.
Aconteceu ir rareando o povo & a deserção dos novos começou.
Breve, nem uma dúzia restava para receber cada amanhã.
Da Natureza a natura mesma operou como só ela sabe.
Os habitáculos desconjuntaram-se, sufocados de hera.
As vinhas secaram como idiomas pergaminhos.
Os caminhos acharam-se devolvidos à nação vegetal.
Neve & fogo concertaram-se deleteriamente.
Fora, também o país começara a acabar de vez.
Dentro, animais de mor porte já não rareavam.
Mas alguém achou em si razão de permanecer.
Era um dos dois conservadores do que houvesse a lembrar.
Não, não era eu – era Abílio Cação, quase octogenário já.
Tinha provisão de lápis & canhenhos & enlatados.
Bebia da chuva & das adegas desertadas.
O único ritual que ainda praticava – era respirar.
Escondeu-se dos comissários que uma vez vieram.
Nunca mais voltaram, nem Abílio os chamou.
Há dois anos, adoeceu sem aviso nem dor.
Certa lassidão o tomou, volvendo-se resignação.
Juntou vasilhas com água & a derradeira lenha.
Acendeu a derradeira fogueira, fingiu não esperar.
Ateou o lume com a escrita conservada, que tão bem arde.
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