22/01/2021

VinteVinte - 211 (escolhido)


Ludwig van BEETHOVEN
(1770 - 1827)





211.

 DAR & DANAR

 Coimbra, quarta-feira, 16 de Dezembro de 2020 (I-II)

Coimbra, quinta-feira, 17 de Dezembro de 2020 (III-VIII)

 


     

    Um rapaz brinca na orla do bosque ocidental. De momento, está de costas para a casa de sua origem. Entretém-se mirando a azáfama simétrica de ida & vinda de um formigueiro. Volta a casa, traz um bocado de pão, que esmiola em partículas. Asperge o carreiro daquela dádiva, para elas celeste. Observa como elas contactam o achado, como o intercomunicam, como começam já a fazer espólio de tal maná. O rapaz imagina-as sendo medalhadas por sua rainha no salão-mor subterrâneo. Dar é uma forma perfeita de criação de beleza. Assim é que o rapaz sobe. 

(...)


    IV 

    Há hoje mais & mais clara luz. 
    Pode o olhar lavar-se em extensão. 
    Não tem sido bem assim ultimamente. 
    Dura pouco o aparato diáfano. 
    Depois do meio-dia, menos claridade. 
    E agora Pedro Ângelo deita-se para a sesta, corridas as cortinas a toda a extensão, o bulício exterior é mínimo, cada 45 minutos (ou mais) o autocarro, pouco vento, já não molhados de sol os cedros enfileirados a oriente. 
    O recolhimento molda o corpo. 
    Os (poucos) móveis da casa cumprem em ordem. 
    A liberdade é da política interior. 
    Ficção não tem de ser ilusão. 
    E agora Maria Ângela sai do trabalho, nenhum problema de maior ferocidade a atenazou, foi mais ir gerindo as alterações normais do expediente, lá mais para finais de mês é que são de esperar decisões rápidas, ela está pronta sempre. 
    Eu? Eu tratei mais a fundo da cozinha. 
    Mudei a arrumação dos géneros secos. 
    Conferi as faltas, lapijei uma nota em rol. 
    Talvez sábado tenha de ir ao senhor Carlos. 

    V 

    Nada nos adiantaria ir por estes dias ao bairro antigo, onde a infância afinal pouco se nos demorou. Já por lá não é nem há Maria da Luz, a belíssima Milu que tanta rapaziada platonicamente alvoroçou. Morrer tão nova – não tinha quinze anos – veio cegar-nos de qualquer veleidade religiosa. Deus-filho-da-puta nenhum nos justificaria o injustificável. Caramba, aquele cabelo quase azul de tão negro, aqueles olhos tão negros quão o azul da noite! Maria da Luz, papoila branca ceifada sem culpa formada nem razão válida. A uma semana do próximo carnaval-natalício, já sabemos todos – sem no-lo dizermos – que não há que (nem como nem porquê) aparecer no bairro-infante. Que se dane o Bairro. Que se dane a Infância. Que se dane o Natal: pois se nem Maria nem luz, que se dane Jesus. 

    VI 

    Esqueça-se o que lembrança não merece. 
    Isto é tudo um fósforo – e a cinza não arde. 
    Para remorsos ou arrependimentos, é de mais tarde. 
    Viva-s’inda um pouco, que o resto nem aquece. 

    [VII] 

    [Não posso estar parado numa ideia quieta. Parece-me, tal, o mais insensato. A minha minoria é de um – um só, q.b. Há muito a/por aprender. A felicidade não cumula a demanda. Já é felicidade não ser por aí um triste. Não andar por aí ladrando religião. Ser uma pessoa em seu casulo-mental. Os livros abrem janelas, tornam palacete a atenção. Posso – e devo – resistir à charlatanice me(r)diática. O caminho é claro – e a caminha não é má.] 

    (VIII) 

    (E o gigante Beethoven faz hoje 250 anos de baptizado. Em boa-hora nado para o Mundo.)


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Canzoada Assaltante