SEAN CONNERY
(1930 - 2020)
178.
NÃO TEMAIS JANEIRO
Coimbra, sábado, 31 de Outubro de
2020
[I]
[Talvez devesse enveredar por a redacção de um diário mais vivo, mais operante, mais inçado de miúda coisa quotidiana – e menos doméstico-pessoal e mais patriótico-global, por assim dizer. Não, não devo.
Restrição à circulação automóvel? Interdição de deslocações interconcelhias até dia 3 próximo? Puf. Puf. Desinteressa-me a (in)constitucionalidade desta ou daquela medida. Esta era viral dará lugar a outra. E eu tenho mais com que entreter & entretecer o meu tempo. Este egoísmo tem de mostrar-se como é, seja: pilar das minhas vivência & sobrevivência.]
II
Victor costuma vir em Julho, com a família, aqui estiar.
Sai sozinho a longos passeios de meditabundo teor.
Descreve arcos extensos ao litoral fluvial de seu gosto.
Victor é cavalheiro de escol’antiga, já como ele há poucos.
De França chegam notícias do vil hodierno patíbulo teocrático.
Os esgrunhos do fundamentalismo religioso degolam inocentes.
Era – digo-o eu – de resgatar do museu a boa velha guilhotina.
E usá-la sem temor nem tremor naquelas nucas sujas.
Assim diz Victor a si mesmo só enquanto ambula a sós.
À volta, beijo, perdão, beija o casalito de filho & filha, que d’amor devora.
Idalina, sua mulher sereníssima, sorri sem estrépito.
Recolhem-se então à cabana, partilham os alimentos.
O habitáculo não tem televisor, só radiofonia.
Pequeninos, os infantes conhecem ’inda brinquedos manuais.
Idalina desenha devagar motivos campestres.
Victor ouve música, anota miúdas ideias para o inverno.
Um dos irmãos de Victor morreu em um Fevereiro.
A mãe, em um Março.
O pai, em um Abril.
Outro dos irmãos, em um Maio.
Porém Victor não teme Janeiro.
(III)
(Rodapé de telenoticiário:
“Morreu o actor Sean Connery aos 90 anos.”
Connery. Great Connery.
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