29/12/2020

VinteVinte - 170 (II)

© EGON SCHIELE

House with Bell Tower (1912)



II


Ideia de serranias povoadas de realidades verdes 
Por onde a mente perpassa qual brisa adequada 
Serena alternativa ao frívolo & brutal humano 
Bípede pacóvio gambozino de si mesmo órfão 
Ideia de litorais abertos à respiração visual 
Fechados porém à roubalheira bancário-financeira 
Interditos porém aos sicários teístas 
Proibidos no entanto aos miseráveis d’espírito 
Ideia de ruas lavadas ao ar limpo da noite pura 
Por onde ambular sem ida(de) nem retorno 
Convocado o ambulante por franca vontade-própria 
Em criativa liberdade que mal não traz ou faz aos outros 
Ideia de casas dentro das que se é rei & cavalo-real 
Onde as mulheres & os homens fazem de legos 
Restritas ilhas de perene usufruto turístico 
Interior turismo que fronteiras desconhece. 

Imagem de praças fruídas em renovada idade 
Ao lado de alguém afim-cúmplice ou a sós em segurança 
Praças de qualquer país capaz de banir a pólvora 
A pólvora, o punhal, a automática, a catapulta 
Imagem de barcos dotados de memória itinerária 
Naves tripuladas pelo desejo não-constritor 
Faluas às luas mais propícias da infância 
A infância a que a velhice narra fábulas perfumadas 
Imagem de choupais ardendo sem fogo ao vento 
Matas través as que o sono é benfazejo ao relento 
À calma dos trilhos juntando-se a lentidão dos passos 
Palácios ingentes da passarada mais eufórica & mais eufónica 
Imagem de máquinas transparentes chamadas palavras 
Palavras elas mesmas geradoras de imagens como 
Berço, cadafalso, bancada, salsa 
Ou então foz, feldspato, gato, gerânio. 

Família mas não essa de meros consanguíneos 
Antes família de claridades incorruptíveis 
De pessoas, não de gente 
De ir ver o mar, não de teimar na lixeira 
Família de solidária presença mesmo a muitas milhas 
Não de júris(im)prudente sobranceria deletéria 
Não de pré-condenação mas de marsupial coabitação 
Assim sim família, não clã, não seita, não quadrilha 
Família para lá do sangue, contemporânea dos elementos 
Família-fogo, família-ar, família-água, terra-família 
Dessa em que os filhos se volvem irmãos 
Irmãos já avoengamente sábios, lúcidos, aptos 
Família não de desertores mas de cultivadores 
De amados em prol de constante amor 
De leais trazedores da palavra-justa 
Única afinal que falta faz a quem dela é capaz. 

Razão de valores arregimentados sem dogma 
Daquele que colhe dos anteriores o suco primaz 
Daquele que entende como sinónimos a rosa & Piazzolla 
Dessa que corrige quando se trata de purificar 
Razão que fecha os olhos físicos à intenção supurante 
Habilitada pelo sol, licenciada pela noite 
Compreensiva no sentido de abarcadora 
Agressiva no sentido de açambarcadora 
Razão que se não separa do animal mas o complementa 
Própria para namorar aos domingos ante o coreto 
Distinta, humilde, taful, singela 
Mais de outiva que fonadora 
Razão conhecedora do futuro, em que a morte 
Sabedora do pretérito como pós-nada 
Conciliadora de contrários orquestrais 
Mãe de si mesma, insular & arquipelágica. 

Força que resulta mais da querença do que da crença 
Dessa que é ’inda mais forte do que a fraqueza pensa 
Capaz da rosa & capaz do estrume à hora precisada dele 
Vindicativa por ajuste mesmo que indirecto 
Força que aprecia a delicadeza obstinadamente 
Tornadora de tornados em zéfiros 
Volvedora de furacões em favónios 
Nunca amnésica, nunca indiferente, sempre força 
Força que não agride mas responde 
Dessa que bate mas não finge 
Que prefere fazer-se primeira do que acólita 
Saciando-se de vontade, não de volúpia 
Força que à alheia recriminação volve farol em espelho 
Apta a consertar, prontíssima a desconcertar 
Aptidão que vem do honesto estudo 
Prontidão que é sério engenho. 




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Canzoada Assaltante