01/12/2020

VinteVinte - 147 (tudo)


Território & Língua:

Pai & Mãe. 
 


147.



 

LINHAS DE LINHO

 

Coimbra, terça-feira, 22 de Setembro de 2020

 

 



I

Cultivam o linho em entreajuda comunitária.
Em filme ao menos, nunca envelhecem.
Séculos os antecedem, que os não aguardam.
A propaganda ditatorial bem trata do resto. 

Maciços festões silvestres são contrafundo em contraluz.
Em voragem, a revoada calcinou até as fundações.
Tornou-se isto de lunar aridez, à pressa se fuja.
O esqueleto do regato sulca em calhau a terra morta. 

Por desagravo, vai quem pode à face do Atlântico.
Aí, os casebres são de cal salgada à força de luz.
Grandes raparigas lidam bravas na venda do peixe.
O futuro é tão remoto quão oceanos de outro nome. 

Distraia-se em festas iguais quem se sinta idêntico.
Os diversos, à força de versos, adversos se sintam, querendo.
Há vias de retorno aos campos sitos a oriente.
Há também quem congemine embarque para finisterras.

Estrigas espadadas, seguem fiando meadas.
Os grandes bois são comidos na velhice.
Os homens, anónimos como mato, por assim dizer também.
Não pode o depois saber do antes quão balsâmico foi.

António & Emília, na eira, nem pensam.
Filhos na Outra-Banda, a Deus graças sempiternas.
Palavras, tem-nas o senhor cónego.
Nós, versos só – que linho são de linhas.

(II)

(Houve por aqui um Francisco de Holanda.
Por aqui houve, mui pouco tempo, um D. Pedro V.
Nem todos os nascidos pátrios foram desperdícios.)


III

Território & Língua:

Pai & Mãe. 

IV

Pode o rapaz sentir-se príncipe quando a sós pelo bosque.
Nobreza íntima & descuidosa ingenuidade, todavia, perigam.
Periga o príncipe quando ao povoado volta.
Aquilo não é principado algum, é cidadela antropóide.

Luzes próprias têm de imperar sobre malevolentes trevas.
O fim é o comum mesmo: morrer, adubar a terra indiferente.
Até lá, todavia, alguma coisa pode ser navegação.
Para o ela o Território. Por ela, a Língua.

(V)

    (Nada me custa dar-Vos alguma conta & certo recado do meu Ano VinteVinte. O monossílabo Não surge bastas vezes. Mas sei monótona a minha prosa. Por isso enveredo muito pela forma versejante. Antes fôra ela verdejante.)

VI

Tão mais precioso quão mais raro
– assim é falar deveras com alguém.
Interessa menos o assunto do que a troca.
Com Oliveira, sobre a carreira pedagógica de António Duarte da Ereira.
Com Ferreira, sobre a perspectiva que da Europa tem a Noruega.
Com Trigueiros, sobre a infidelidade conjugal pela mulher.
Com Sampaio, sobre o que me relatou Trigueiros.
Com Arnoso, sobre azulejaria portuguesa.
Com Thomaz, sobre pevides de abóbora.
Com Salomé, sobre falsificações de Mafoma.
Com Pinheiro, sobre a insuportável vanidade.
Com Caseiro, sobre o que se sonha em copofonia.
Com Dias, sobre vinho-verde.
Com Dias Jr., sobre putas.

(Mas sempre na perspectiva do
fala-menos-do-que-escutas.)

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Canzoada Assaltante