© DA. 26
Agosto 2020 - 20h47m52s
VIII
Em bruma, acorrem-me geografias sonoras que só por escrito percorro. Exemplo fácil: o rumoroso nome da escocesa Inverness. Também formoso é o topónimo Swansea – mas dizem que o lugar propriamente dito é horrível, de muita violência. De Glasgow, aliás, se diz o mesmo. A Torquay de Agatha Christie em menina, outro exemplo. Ou Zamora, tão nome de sítio quão de guarda-redes. E, por cá, Constança. E Agualva. Longe, Tartagal. Perto, Trouxemil.
Em assento fofo & limpo, viajo em torpor do tipo rêverie. Paris, jamais – aquilo é hoje um monturo cafrepaquistanizado. EUA – nem de G3 nas unhas. Brasil, longe vá o diabo com ele. Não. A minha geografia é aquiliniamente sentimental. Vou-me a ela mais pela palavra do que de autocarro.
Rua Guerra Junqueiro, onde Adozinda biblicamente foi conhecida por Abílio;
Rua Antero de Quental, a que pelo entardenoitecer via & havia o retorno de Raul Manuel, o manso ilustrador do magazine Veneza;
Rua do Verde Pinho, onde, por mil escudos apenas, Carolino Rapaz coloriu o retrato de Damião Pinto, provedor de uma caridade para meninas;
Rua Cidade de Salamanca, onde os melhores cervejófilos da Península Ibérica enxugavam o maná de Leça do Balio;
Praceta de São Sebastião, recatada, escondidinha, próspera, ideal para o pato-bravo botar casa à amásia brasileira, ucraniana ou sabugalense;
Penedo da Meditação, onde o Victor se declarou a Silvana, que ficou de pensar & pensou-pensou-pensou até se casar com outro, só por causa das merdas.
Corto aqui o rol por mesmo ser de infinitude para mim. A ele no entanto voltarei.
IX
O grande salão de exposições tem funcionado bem. Aposta na produção da região, mas não se limita a ela. De outros concelhos vêm coisas de boa criação. Até do estrangeiro, por duas vezes, houve amostra comercial-industrial de bom quilate.
As filarmónicas & os ranchos folclóricos são convidados pela câmara municipal, a favor do subsídio anual. Fora do salão, a feira ajuda a chamar mais populaça. O baldio a oeste faz de parque-de-estacionamento espontâneo, não há maneira de a edilidade alcatroar aquela porra.
Antigamente, nada de parecido havia. Vivia-se sem ilusões de grandeza – e sem grandeza e sem ilusão. Terra-a-terra era a terra. O progresso é enfim feito de aparências mais ou menos ou nada aprazíveis. Nem todos podemos andar de Ferrari, isso é bem certo.
O avô gosta de vir às exposições. Aproveita para ver os ranchos & as filarmónicas, que o devolvem a rapaz por meia-hora ou assim. Mobiliário doméstico, maquinaria agrícola, parafernália motorizada, gastronomia, encenações histórico-pátrio-grandiosas – também agradam ao velhote. Do tempo que lhe resta, faz do que pode uma festa.
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