169.
PREFERÊNCIA POR PESSOA-VIVA
Coimbra, quarta-feira,
21 de Outubro de 2020
(...)
II
Entre o Nada & o Nada, alguma coisa é perceptível: enquanto um corpo houvermos para perceber-ser(mos).
Exemplo:
Regina cultivando horta em terreno fragoso. É por uma manhã livre, meia-luz nublada, sem frio nem fornalha. Animais, livres eles também, existem derredor o tugúrio de Regina. O companheiro dela, que é Marco, trabalha fora. Há uma série de instalações em zona demarcada, talvez oito quilómetros distante da horta de Regina. Numa oficina aí situada é que Marco trabalha. Re-unem-se pelo entardenoitecer, cada um munido de ideias que houveram no decurso da jornada que precede a noite. A casa desarma o visitante pela singeleza. Há as coisas suficientes, a começar pelas duas pessoas que lhes dão sentido.
III
Um quarto cuja janela permite confrontar natureza-viva.
Panos de relva com discreta geometria trabalhada.
Carvalho muito antigo em absoluta majestade.
Maciços silvestres como fronteira segura.
Vislumbres aqui & ali de muro em pedra-morena.
Adentr’o quarto, a cama de roupa impecável.
Sobre a cama, revistas recortadas, tesoura, álbum para colagem.
Cadeira com camisola verde-musgo no espaldar.
Escrivaninha com apetrechos mínimos para epistolografia.
Uma telefonia, uma vela, uma garrafa com água, à cabeceira.
Pouquíssimos livros em prateleira mínima.
Roupeiro oblíquo, roupa muito usada nele guardada.
Aos pés, calçado quási ínvio, mais revistas velhas.
Um garrafão há muito vazio, outra bugia.
Retrato avoengo na parede oposta à janela única.
Nenhum crucifixo.
A um deus-cadáver, prefere-se a pessoa-viva.
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