IX
Já nem longas são as noites, com a idade tudo parece consumar-se de mais célere modo, tempo-psicológico & tempo-métrico convidam-se para dançar este fandango perigoso.
Proliferam outras perdições, também elas naturais enfim, nem este meu livro é despensa de lamentações tão ao gosto dos hebreus.
Por mim, levo-me em barca própria a um alhures que, como toda a demais gente, não me é dado conhecer de antemão. Antes assim.
Já moço-rapaz-efebo-donzel me não apresento aos aposentos escancarados das ruas. Cruzam-se as existências – as essências, nem por isso.
Gosto demoradamente do que gosto. Onde posso escolher, escolho sem hesitação. Onde não posso, recorro ao passe & vou noutro autocarro por outra linha assobiando baixinho.
Revoadas de aves aprecio de nossa baixeza gravítica. Nesta zona da Urbe, há ainda arvoredos que elas usam de santuário modo. E eu como posso alimento-as.
Confinados, os dias não são aéreos como já me foram. A reclusão afina-me sentidos de que acabo não fazendo grande uso: são menos exigentes os versos do que as mulheres.
Quando em Janeiro, a ideia era abrir-me, por este livro-de-razão-diário, à Cidade. O fenómeno pandémico acabou encerrando-me na aldeola interior. Não me queixo.
Sábado, enfim, revisito o Zé Daniel. Borboletearei empós um pouco, não de mais, um pouco antes de reconfinar-me – mas sem aura de mártir anacoreta ou cois’assim.
Vigora algo que não é espera. Nem expectativa. É antes qualquer coisa trabalhando no sentido plural do dizível. Não transcrição onírica mas seu, em/por lucidez, contrário.
X
Já não visitarei as praias da Normandia daquele-6-de-Junho.
Fá-lo-ei sem ser com o corpo, por imagens levitando.
O turismo que posso, posso-o entre estas paredes.
É como escutar, de ora-mortos, palavras de quando-vivos.
Nisto pelo menos não sou mau, escutá-los em redacção.
Não só os normandos areais do desembarque aliado de 1944
– também a gruta de Macau onde se diz que Camões respirou.
E a casita no Valado de Frades que albergou os meus Pais.
O quarto de S. Luiz dos Franceses em que morreu Pessoa.
E a Arles de Vincent, lá onde as cores dizem o olhá-las.
Cada noite, soprada a vela, viajo na antecâmara do delíquio.
A manta que ora uso é de especial doçura dérmica.
Adopto a pose fetal-astronáutica, embora me não iluda:
sou extra-uterino há demasiados anos para tal mentira.
E então levito sideralmente – por exemplo, por normandias.
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