24/12/2020

VinteVinte - 163 (conclusão: XII a XV)


XII


A Cidade, como as putas velhas, já viu de tudo. 
Temo-la por nossa, o que ela, soberana, refuta. 
Sabemos que nos fala, mas não se nos escuta. 
Eu nunca quis outra, agora velho como em miúdo. 

Ao alto da Escada de Santiago, parava & derredor olhava. 
Era outro o comércio, mais genuína a cidadania. 
Disso me deixei: deixou de lá ir quem a lá me movia. 
Outro dia, só passei. Inda olhei – não estava, 

Também já não uso a voraz Rodoviária. 
Não me chamam aonde ir, nem gajas nem trabalho. 
Aqui velejo à bolina, ali às vezes encalho. 
Vale a morte ser una – mas a vida, vária. 

XIII 

Não, não deixaram recado. 
Se calhar, nem por cá passaram. 
Há que considerar muita eventualidade. 
Por um ou outro lado, pode ser que dê. 

José teve um susto de saúde. 
João teve um susto de saúde. 
Já não falam nisso, passou. 
Até de casa cada um se mudou já. 

O carro velho de Manuela ainda roda. 
Por tuta-&-meia o vendeu a Lúcia. 
Lúcia é modesta – mas tem muito de seu. 
Herdou do pai, filha-única, bom-partido. 

Alberta sofreu desgosto por via de Ulisses. 
Ele foi reles magano, portou-se bem mal. 
Curou-se Alberta mais que a tempo & horas. 
Convalesceu-a Eurico, ruço, bom trabalhador. 

Pedro Victor, da família Mendes, não está. 
Nem deixou recado, ’Zabelinha. 
Nada que obrigadar. 
Não estamos cá p’ra outra coisa. 

XIV 

Sensata demora 
Branda paciência 
São ambas ciência 
P’ra usar na hora 

Sopra ocarina 
O fauno manhoso 
Só cuida de gozo 
Contra a menina 

Faustoso prodígio 
Opera Camões 
Vive sem relógio 
Pelas gerações 

Não volto a Benfica 
Nem volto a Sintra 
Acho-me pelintra 
Não bucha ma’stica 

Dá-lhe o meu recado 
Que se encontre bem 
E beijos à mãe 
Se não for pecado. 

XV 

Em Setúbal como em Sesimbra, não fruí de boa-sorte. 
Também – é bem verdade – lá não encontrei a morte. 
Havia ainda, nessa época falecida, a (paso)doble estação Outono-Inverno. 
Arrefecia, depois era ameno, o dia mais pequeno, e então chovia. 
Elvas foi pouca coisa na minha vida, culpa minha, não do lôgo. 
Évora, muito idem – trânsito aliás penoso, que em vão esqueço. 
Tenho por Lisboa uma afeição, justamente aliás, não-correspondida. 
Prefiro-a ora em livro decentemente paginado. 
Ou em imagens (neander)tais de que contem os Tonys Calvário & de Matos. 
Oeiras, Estoril, Parede – fugaz gás, cuja fuga conforta, não assusta. 

Aveiro azulou-se ao vento benigno – mas ninguém lá tenho. 
Ao Lorvão subi algumas vezes – mas 1994 foi de trevas. 
Lagares da Beira, Avô, Vide, Coja, Góis – célere mocidade. 
E de Viseu não guardo raiz, que lá não afundei. 
Sobra-me – quê? – talvez Trouxemil, onde hei primas-direitas. 
Arganil, alguns nomes gentis, certa nostalgia. 
Barril & Altura, praias de Tavira. 
Don’Ana & Pinhão, idem de Lagos. 
A verdade é ter pouco-nada-zero a que voltar. 
Coimbra encadernada me baste por rasto, resto & rosto. 



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Canzoada Assaltante