VIII
Fraca iluminação amodorra o quarto de Marília & Manoel.
Já quási rasas, de sebo as duas bugias tartamudeiam débeis.
A mobília é mínima: catre singular, cadeira, prego na parede.
Meio queijo embrulhado em papel-manteiga, garrafa meia de vinho.
Do olho-clarabóia surde a baça prata lunar.
Frio que faz ranger o bolor omnívoro das paredes.
Marília reza ajoelhada à cabeceira do leito.
Manoel abre e fecha e abr’e’fecha o canivete.
Cavalo de tipóia castanhola os cascos no empedrado.
Faquistas ébrios rosnam obscenidades em passando mulheres.
À esquina da rua dos teatros, o poeta Mário Caldas tem fome.
Vale-lhe Juliana, que do balconete da sobreloja o atrai.
Em a honrada taverna do Brás Zarolho, não se prega olho.
Já o poeta Caldas, com moedas julianas, o antro adentra.
Chispe cozido-em-branco, de vinagre aspergido.
Vinho áspero, negro como lua-nova & palato de cão.
Amuletos não vingam sorte melhor em desventura.
Lamentoso carrilhão dobra exéquias da boa-sorte.
Venenos & cáusticas sodas causticam a loucura.
Já Bocage não serei. Antes, que tal vida, a morte.
IX
Era ainda pelos frios de um ano moribundo
Era a mocidade em vigor, o mar muito perto
As ruas tinham sentido, a vida parecia tê-lo também
Os erros & os desacertos, não lhes chegara ’inda a hora
Diz-se que doravante é sempre a descer, assim parece.
Laços à nascença deslaçados, pecado é queimar tempo
Tanto os do sangue como os das horas-más
Custa bem caro liquidar tudo no empós de tudo
Consegue-se, enfim, é preciso é usar calma
Sal na ferida, bota em si quem quer, notai bem.
Era como a ser não volta, norma que a Lei impõe
O meu dia-de-trabalho era então de doze-horas-doze
Sã fadiga me chegava pela noite já madura
Eu ia cear a um entreposto aberto 24/7, salvo natais
O dinheiro mudava de mês sem mais contas a abater.
Não sei (mas sei) que fiz (& desfiz) desse rapaz inimputável
Desse moço potável parecido com os outros & como os outros
A haver deuses influentes, algum deles me foi sacana
Força me não faltava (nem falta, notai bem), o ar bastava
E vir à terra era uma festa graciosa, pagar não era preciso.
Justapondo hoje os degraus pretéritos mal pisados
É notória a tortuosa escadaria ao desamparo içada
Lixo – algum dele humano – junca o saguão sem roseira
A hera apodrece o muro que a suporta, cheira a água-quieta
Valendo tão-só, à hora destes versos, ser sábado amanhã.
Sem comentários:
Enviar um comentário