Coimbra, terça-feira,
6 de Outubro de 2020
III
Surgiu do nada para se sumir nenhures.
Assim tal figura invade & s’evade.
Dizem-na uns – que de blusa roxa, pintas negras.
Outros, que de camisa masculina, azul-ferrete, larguíssima.
Não importa. Ou: não m’importa. Entrevejo-a ainda.
Por exemplo:
No autocarro da linha 5, fila de bombordo, lendo Stevenson;
na Praça da República, com amigas, aos risinhos tontos;
servindo às mesas na Ferreira Borges, salário mísero;
ao volante de um coupé amarelo, fumando de boquilha;
à lareira em Trás-os-Montes, sendo inclemente o Janeiro.
Nem paixão, nem amor de pasteurizada imitação, nem
afim condição mata-cavalos – figura de si mesma, tão-só.
No funeral do doutor Teófilo Capim, a sua lenta gravidade.
No funeral da minha Mãe, atenta a fingimentos credíveis.
Não-estudada elegância d’expressão, antes volitiva discrição.
A verdade material é nunca nos termos falado.
Não é disso culpa dos astros, são diversas as dimensões.
Ela é de um Afonso & de uma Teodora.
Eu, de uma Hermínia & de um Daniel.
Física, Química, Matemática, Música – em livros dela.
Quando eu ainda publicava crónicas em jornais, anos idos?
Sim, pode ter-me lido alguma, que retido não deve ter.
Eu nunca a vi – disseram-ma imprecisamente, é tudo.
Se aqui a boto, é por tê-la sonhado esta madrugada.
Transparecia como entre si transparecem a medusa & a água.
Nem em o sonho todavia nos falámos.
O dito sonho era aliás cinema-mudo.
Fraques, cartolas, tipóias, charutos, orchatas.
Animais diferentes em ruas sem sentido, como a vida.
Uma ambiência surda de aquário esbugalhado.
Despertando, retomei o circuito resistente ao desamparo.
Não saí a absintos ou vermutes, putas ou vinho-verde.
Não era muito, o afazer doméstico para o dia.
Almocei os restos vésperos, folheei almanaques velhíssimos.
Ou seja: fui sendo feliz devagar, que pressa não tinha.
Logo: nada & nenhures.
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