O melhor de todos era o Matt Marriott.
III
À beira da ribeira, a casita branca de telhado verde é escola.
Escola de Música Ofélia Montenegro.
A senhora D.ª Ofélia foi nossa benemérita toda a vida.
É justo que a singela escolinha a epigrafe em honra.
As crianças gostam de aprender, nem os parvos o neguem.
Para que solfejem como aves, vem da Figueira a pessoa certa.
É Luísa Sarmento, mestra da divina arte pentagramática.
Coxeia da perna esquerda, já nasceu assim, coitadinha.
As crianças vão crescendo, como é de lei.
Algumas seguem estudando, outras empregam-se.
Absorvem-nas as fábricas do litoral, por norma.
Também Luísa parece o que é: uma velha exaurida.
A ribeira lá está – e, acinzentado, o ex-verde telhado.
Muitos ontens barrados, bem melhor seria este soneto.
IV
Armando desapareceu há quase vinte anos.
Não deixou recado. Dívidas, também não.
Nem corpo – nunca o encontraram.
Da zona, é o nosso mistério favorito.
Falamos muito de tal assunto.
Certo tipo de ignorância é picante.
Lídia não sabe se é (mesmo) viúva, se o quê.
Nem nós sabemos se é conto triste.
Pode ter ido com os ciganos.
Pode uma brasileira tê-lo abocanhado.
São bem jibóias para isso, as brasileiras.
São bons transitários para tal, os ciganos.
Por mim, duvido – mas é feitio meu.
Mesmo sem método, duvido muito.
Menos da morte – da morte, não há que nem como duvidar.
Fui muito com ele à Rua da Sofia.
A meio da artéria, num vão-de-escadas, a banda-desenhada.
Novos & em segunda-mão – maravilha tudo.
Mandrake, Rip Kirby, Ene-3 – e o melhor de todos?
O melhor de todos era o Matt Marriott.
O Garth era bom. Batman & Super-Homem, bons.
Mas o Armando & eu éramos incondicionais.
Éramos sim, incondicionais mattmarrottianos.
Perdi quase todas as minhas publicações.
Não fui cauteloso, deixei perder-me delas.
Desconheço se ele guardou as dele.
Não ouso perguntar a Lídia.
Acho que a mera menção a exasperaria.
A hipótese-da-brasileira morde-a adentro.
Eu gosto dela, ela é boa mulher.
Não desarmou, criou os dois meninos.
Armando não deixou dívidas – nem poupanças.
Oficialmente, Armando é defunto.
Mas Lídia usa ainda a aliança.
Teve de vender a vivenda conjugal.
Comprou um T-2 virado para a Estação Velha.
Não ficaram mal-mal, ela & os meninos.
Mas o mistério não lhes faz bem.
Às crianças nem tanto, enfim, eram pequeninas.
A ela, todavia, suspendeu quase tudo.
Não, não é um enigma jovial.
Toda a gente segue co’a vida às costas.
Lídia, não – não pode, sem saber.
Maneira de saber, não se sabe.
A Lídia em nada é diplomada.
Trabalha no que encontra.
Sem contrato & sem expectativas.
Trabalha no que encontra.
Assim é com milhares – ou milhões.
A nem todas se evapora o marido.
Essa é que é essa & aí é que vai.
Ela pode sempre recasar-se.
Encontrar alguém válido.
Alguém detentor de seus vinténs.
Não, nada lhe propus, não p’ra já.
Tenho remoído, é certo, essa corda.
Lídia, sem perfídia, é ’inda apetitosa.
Estes quase-vint’anos não a estragaram.
Não muito. Não de mais.
Só nada adiantei sei bem porquê.
E se do azul surge o Armando?
O Armando a rir-se com o n.º 145 na mão.
O mítico 145 ultra-esgotado & nunca reeditado.
Esse em que, não sei se no Arizona se no Colorado,
Matt Marriott & Powder enfrentam, vencem & punem
o malvado clã Astor-Leigh, latifundiários canalhas,
gentalha da pior espécie, horrenda escumalha,
deixando Matt para trás, sem se virar na sela,
a bela herdeira Cora Wilma,
Cora afinal tão sósia de Lídia,
Lídia à porta do Fargo Ranch,
lenço rendado alvejando adeuses amaríssimos,
mas Armando sempre rumo ao sol-poente,
já nas bancas o n. 146 com Garth & Príncipe Valente.
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