18/12/2020

VinteVinte - 159 (XI & XII, com duas ilustrações deluxe)



    XI


    Pessoas como Jacinto Xavier Damas Peres gostam muito de viajar por comboio ferroviário. À janela, é como cinema total. A pressa perde importância ou até significação. É mais ser elegante & parecer cultivado, de comboio para algures longe de casa, sobretudo se bem longe de casa. As grandes potestades mundiais nunca dispensaram – antes nela se fundamentaram – uma extensa, profícua & proficiente rede ferroviária. A Inglaterra é, historicamente, paradigma de tal asserção. 
    Jacinto deveras goza os ferrotransitivos. Como a solidão, em vez de pesar-lhe, sempre lhe foi espécie de levitação, ei-lo amiúde em movediço curso sobre carris. Não é que o chame qualquer afazer alhures. O ponto é tão-só o gosto-de-ir em amigável contraponto ao prazer-de-voltar. Muitos aplicam poupanças em investimentos, ou roupas, ou sapatos, ou bicicletas pró-aeróbicas, ou brasileiras, ou coiso. Jacinto Xavier Damas Peres poupa até no essencial para que lhe reste aberto o mapa de apeadeiros, aos quais aliás desce nunca.
    Compreendo-o bem. Também gosto do que ele tanto gosta. Cheguei a fazê-lo diariamente – mas por necessidade profissional, valha a verdade. Como já, hélas!, me não afligem precisões laborais externas, fico em casa a vê-los, aos comboios, chegando & partindo lá em baixo, na Estação Velha, cujo nome oficial é Coimbra-B – e cuja inauguração festiva ocorreu – sopra-me Jacinto – a cem anos do meu nascimento: 1864. Tenho apenas de confirmar o acerto desta sua alegação. 

[P.S.: Jacinto acertou. Aquela estrutura foi inaugurada a 10 de Abril desse 1864 (um domingo). Ora, precisamente 53 anos depois, nasceu o meu Pai.]

    XII

    Em flagrante existência (nossa, de todos, por enquanto), sinais abundam em panorama por, sem excepção, toda a parte. Cabe a cada um ajuizar de sua/deles importância, frivolidade, urgência, senso, cabimento, necessidade, piada até.
    A nuvem carregada é índice natural. Os deícolas são sinais de pancada-mental. As mulheres sinalizam a propagação – e a propaganda – da espécie. (Conferir a gorducha-de-Willendorf.) Etc.
    Sinal de certa fadiga, minha, é estar sem versos há para cima de uma hora – bom sinal, portanto.

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Canzoada Assaltante