XI
Plenitude da atenção a elementos constitutivos do real-imediato.
Respiração, olfacto, camisola d’amarelo-torrado no espaldar da cadeira,
meias lavadas-passadas-enroladas na gaveta-tope da cómoda,
manta laranja-salmão sob a manga amarelo-torrada,
volume de histórias fantasmáticas sobre dicionário encarnado.
Da radiofonia, surde sem aspereza o linho de música/XVIII.
Uma solitaríssima mosca encontrou abrigo no quarto.
Boquiaberta, a pasta do computador velho expele um cabo- ténia.
A cigarreira & o isqueiro amam-se ordeiramente.
O telefone dorme como um menino sem préstimo.
O estojo de fármacos subjaz em apoio à caixa de velas novas.
Aos pés da cabeceira, saco com bolachas de ingestão nocturna.
Dois azulejos na parede, um pintado à mão, outro com cromo.
Na parede oposta, um retrato do Eça e um panorama de Santa Clara.
Folha solta com rabiscos pró-mercearia sob o cinzeiro verde.
Comichão sob o umbigo, unha fendida do indicador-direito.
(O indicador-direito é o único que aponta a escrita em curso.)
(A dita onicofenda é portanto especialmente notória & irritante.)
Pré-alquebramento soporífico do Leitor.
Stop.
XII
Em Nottingham, o português Ricardo Jorge Verde faz vida.
Adaptou-se bem à alheia estranheza afinal sua, pois ali.
É trabalhador, topa tudo, amealha esterlinas.
Aprendeu a Língua sem ter de ir a cursos intensivos.
Curso-intensivo vero é o quotidiano: trabalho, ruas, audição.
Já compra o jornal, já ao fim-de-semana o lê.
De semana, chega muito fatigado ao sótão tomado de renda.
Come do saco que traz: pão, conservas, fruta, iogurte.
Não procura outros portugueses – para tal, de cá não saíra.
Comprou um aparelho de rádio, que toca baixinho como a guitarra.
Toma banho & barbeia-se nas instalações do trabalho.
Foi uma vez ao estádio, o Forest recebia o Derby County.
Faz vida, enfim – isto é, gasta-a como ela se lhe dá.
Por hoje, é quanto tenho a dizer dele.
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