21/12/2020

VinteVinte - 162 (VI + IX)


PIETER BRUEGEL the ELDER
Jagers in de Sneeuw (1565)



    VI

    Em zona montanhosa, pastor, dois cães, rebanho de oitenta indivíduos lanígeros. Um lobo ou dois, de vez em quando. O filme celeste projecta atmosferas rápidas, nuvens lastrando sombras, relâmpagos parados ao sol total, faíscam as pedras adustas.
    Casinhotos pontuam as inclinações do território, os ângulos oblíquos que, lá muito em baixo, produzem o ribeiro frio. Só por aqui é quem resistiu – e resiste – à quási-miséria. Não retorna quem foi afrancesando-se, luxemburgar-se, estrangeirar-se de vez.
    Rebanhos, lobo, cães, pastor – como sombras se dissipam à luz velocíssima. As permanecem, mui bem assentadas no lombo da terra, lá em baixo o frígido curso da fina água.

    (...)

    IX

    Em certa paz tomo assento num ponto da Cidade de aérea abertura ampla. Antes de sair, folheei em recato duas páginas de Camus, o grande franco-argelino. 
    Distrai-me sem violência o quotidiano alheio. Conheço o recanto, sou dele vèzeiro-useiro. A esta hora (16h22m), a freguesia é mormente de vèlhada bem aposentada. Pisam & repisam conversas que lhes ouvi bastas vezes. Vestem de boas marcas, os bons & as boas sacanas. Têm alguns licenciaturas perpétuas tiradas à sombra da Cabra. Apascentam-se de ócio não-angustioso, confortados pela renda vitalícia de, afinal, seu direito contratual.

    Vim, acampei, passo o olhar pelo casario. Há coisa de quarenta anos, este era um bairro de certa escolha. Hoje, a escumalha encontra aqui condições de caldo-bacteriano. É do tempo. Por a presente hora, porém, não – velhotes & velhotas cacarejam em Português decente a inanidade temática de seu paulatino acabamento. Já aqui não destoo – remato para dentro, não sem desasada melancolia. 

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Canzoada Assaltante